Cultura
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Por Bolívar Torres, cultura — Rio de Janeiro

Em meio às discussões sobre a devolução de relíquias em posse de museus europeus a seus países de origem, volta à tona uma velha história envolvendo o "roubo" de uma relíquia sagrada africana na cidade de Salvador. O protagonista do caso, que deve virar um filme com co-produção internacional, é ninguém menos do que o Nobel de Literatura nigeriano Wole Soyinka, que por alguns chegou a ser procurado pela Interpol por conta do artefato.

O caso rocambolesco aconteceu durante uma passagem de Soyinka pelo Brasil, em meados dos anos 1970, quando ainda era professor Universidade de Ifé, na Nigéria. Dez anos antes de ser o primeiro autor negro a vencer o Nobel e longe de ser a celebridade literária que é hoje, o escritor viajou com uma missão oculta: recuperar Ori Olokun, a Cabeça de Bronze de Ifé, uma escultura de liga de cobre datada do século XII. Orgulho da Nigéria, seu valor monetário atual alcança o da Mona Lisa.

A estatueta foi desenterrada em 1938 em Ifé (Nigéria), local sagrado do antigo povo iorubá, junto com outras 18 esculturas. Mas desapareceu da Nigéria no ano seguinte. Em 1975, quando seu paradeira ainda era desconhecido, surgiram rumores de que uma peça idêntica a Ori Olokun fora vista em Salvador, mais especificamente na galeria particular de Hector Julio Páride Bernabó, o Carybé. Wole Soyinka consultou então seu amigo e colega Pierre Verger, também professor da Universidade de Ifé.

Vivendo entre Paris, Ifé e Salvador, o etnógrafo francês era a fonte ideal, pois já havia visitado a casa de Carybé. Durante uma festa em que estava um tanto embriagado, Verger confirmou sem titubear: a Ori Olokun que estava na casa de Carybé era mesmo a original.

— Tendo a confirmação, Soyinka e um grupo de professores foram visitar Carybé em Salvador, com a desculpa de que queriam convidá-lo para ser curador de um evento — conta Carolina Maíra Morais, mestre em História Africana e que desde quinta-feira (25) acompanha de perto o Nobel nigeriano em sua nova visita ao Brasil. — Soyinka deu um jeito de colocar a estátua de bronze na bolsa dele, e voltou para o hotel.

A estatueta Ori Olokun, no Museu Britânico de Londres — Foto: Reprodução/ Wikipedia
A estatueta Ori Olokun, no Museu Britânico de Londres — Foto: Reprodução/ Wikipedia

No fim, a “missão” se revelou desastrosa para o escritor, pelo menos do ponto de vista pessoal. Análises de estudiosos na África constataram que se tratava de uma cópia feita pelo Museu Britânico (como apontava as iniciais BM em um canto da escultura). A original estava, portanto, na Inglaterra.

Se, por um lado, os nigerianos sabiam agora a localização de Ori Olokun, por outro, foi o fim da amizade entre Soyinka e Verger. O etnógrafo ignorava o plano do Soyinka e, até a sua morte, em 1996, nunca mais pisou na Nigéria, nem falou com o escritor. Em sua biografia “You must set forth at dawn” (2006), o nigeriano conta que o rompimento foi uma de suas maiores tristezas. Na última quinta-feira (25), durante a sua passagem para participar do festival Back2Black, Soyinka falou ao GLOBO sobre o caso.

— Pelo menos alguma verdade saiu desse exercício — consolou-se Soyinka, que costuma não mecionar o nome de Verger em entrevistas. — Agora podemos apontar onde está o original e lutarmos por sua devolução.

Foi, aliás, o que o obstinado nigeriano tentou fazer ainda na década de 1970, elaborando uma ousada retirada do objeto do Museu Britânico. Dessa vez o plano fracassou, rendendo a inclusão de seu nome em uma lista da Interpol por alguns anos. Cinquenta anos depois, ele continua obstinado em recuperar as riquezas africanas.

— Cada vez que entro em um museu europeu e vejo artefatos africanos, quero roubar de volta o que me pertence —disse Soyinka. — Recentemente, a Itália devolveu à Etiópia um obelisco de Aksoum (roubado por Mussolini na Segunda Guerra) e o significado deste monumento para os etíopes está além do que você e eu conseguimos entender. Para o meu país, se dá o mesmo em relação a essa estatueta.

Soyinka faz esforços financeiros para adquirir sozinho, sem ajuda de nenhuma organização, artefatos africanos espalhados pelo mundo. Sua coleção particular é vasta e volta e meia algumas dessas peças são doados a museus.

Refletindo hoje sobre a devolução de artefatos antigos, o nigeriano é categórico: não basta reparação monetária. É preciso um trabalho de conscientização entre os povos. Esse pensamento guia o roteiro de um futuro longa-metragem que reconstruirá o caso misturando ficção e documentário, “The african pride”. O próprio escritor está escrevendo o roteiro em parceria com dois brasileiros: Carolina Maíra Morais e o produtor Diler Trindade.

— Entre os países europeus, a Inglaterra é o mais inflexível quanto à devolução de peças roubadas — diz Morais. — O Museu Britânico nunca citou a possibilidade de devolver Ori Olokun. O ponto de vista do filme é como se a riqueza deles estivesse atrelada à manutenção da arte iorubá. Porque não é só o valor monetário, é uma energia espiritual que os ingleses querem guardar.

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