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O pianista Víkingur Ólafsson tem uma relação de amor com a alcunha de "Glenn Gould da Islândia", dada por algum jornalista do New York Times após ouvi-lo tocar uma partitura de Johann Sebastian Bach (1685-1750), em 2017. O paralelo com o canadense – que criou em 1955 um culto discográfico em torno de sua forma muito pessoal, intelectualizada e por vezes transgressora de executar as míticas "Variações Goldberg", e que nos cinemas foi tema do longa "O gênio e excêntrico Glenn Gould em 32 curtas", de François Girard – gerou uma boa curiosidade a respeito de sua carreira ascendente.

– Mas também fez muita gente se perguntar: "Quem ele pensa que é?" Devo dizer que aprendi muito com ele, mesmo sem tê-lo conhecido.

As comparações se tornaram ainda mais inevitáveis quando Ólafsson lançou pela Deutsche Grammophon, em 2023, sua própria versão das "Variações Goldberg", gerando a turnê que chega à Sala São Paulo neste domingo (29/4), às 18h, num dos recitais mais esperados do ano no Brasil. O islandês longilíneo de óculos e ternos ajustadíssimos é uma das estrelas das comemorações dos 70 anos da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, com quem tocou o Concerto para Piano e Orquestra em Lá Menor de Robert Schumann, ao lado do regente Christoph Koncz. O álbum vem embalado com fotos um tanto estilizadas de Ólafsson, com gestos de dândi e roupas que o caracterizam quase como um roqueiro intelectual, ao estilo dos escoceses do Franz Ferdinand, o que de certa forma também provoca certa percepção.

– Não copio o que Gould fez, mas aprendo com o jeito com que ele pensava. A ideologia dele é muito importante para mim. Ele conseguiu redefinir Bach nos tempos modernos, fez com que a gente o ouvisse de forma mais complexa, separando as diferentes vozes dentro da polifonia de Bach. Tudo ficou mais vivo, e as vozes soam muito particulares. Além disso, ele transformou a gravação numa forma de arte da música clássica. Foi o primeiro músico clássico que teve um caso de amor com os microfones, abrindo a ideia pra um tipo de idealismo. E ele era um provocador, que podia dizer coisas escandalosas, como dizer que "Mozart não era um grande compositor" em seus últimos anos. Aí eu discordo totalmente.

Publicada em 1741 e constituída de um tema (a ária) e 30 variações, as "Variações Goldberg" são tidas pela musicologia como uma maravilha do mundo do teclado – não existia o piano à época de sua composição, nem a partitura traz anotações obsessivas de tempo e andamento, algo que se tornaria comum cem anos depois. Mexer com elas é experimentar uma liberdade e pagar pela comparação com outras liberdades. A curiosidade é tanta que, para este recital em São Paulo, os ingressos já estão esgotados faz tempo.

O álbum de Ólafsson foi considerado "carismático e fluente, porém superficial" por Jed Distler, da Gramophone, enquanto seu recital em Londres foi elogiado como "hipnótico" por Clive Paget, do Guardian. As críticas normalmente se referem à leitura incomum que faz de certas variações, acelerando tempos e alterando acentos.

– Será que realmente queremos saber como Shakespeare dirigiria "Romeu e Julieta"? Será que queremos saber como ele diria cada um daqueles versos? Na verdade, acho que não. É uma pergunta difícil, mas acho que se você pensa que só há uma verdade na música, ou você está errado, ou está ouvindo a música errada. Porque se você vai para a Igreja de São Tomás, onde Bach foi organista, e toca a peça no órgão, a acústica é uma. Se você for tocar a mesma peça, em outra igreja, terá que dialogar com uma acústica completamente diferente. Você vai tocar do mesmo jeito? A mesma coisa com tocar no Carnegie Hall (NY) ou na Sala São Paulo, o som sai do instrumento, bate na parede dos fundos e você tem o diálogo com a acústica, que é completamente diferente da sala da Filarmônica em Berlim. Logo, vou tocar com a mesma dinâmica em todos esses espaços? Lógico que não – afirma Ólafsson, que elogiou o trabalho do americano George Boyd, técnico e pianista radicado no Brasil, com quem trocou ideias sobre o pianista Nelson Freire. – Nelson era um poeta. Sua interpretação dos Estudos de Chopin sempre me marcou.

– Seria muito mais chato se eu estivesse construindo minha carreira aos 40 anos nos anos 1970 ou 1980, quando as regras eram muito mais rígidas. Foi a era de ouro da gravação, mas também a era de ouro da academia musical, com muita gente escrevendo ensaios maravilhosos sobre como as coisas deveriam ser tocadas historicamente, algo que eu não acredito que exista. E eu não acredito que possamos imaginar como Bach tocava suas próprias peças exatamente, a não ser sobre como ele faria certos ornamentos. Penso que hoje há mais interesse no individual por trás da performance, as pessoas querem ouvir a convicção singular do artista, mais do que antes. Portanto, há mais artistas que também são compositores hoje em dia.

Ólafsson claramente se refere ao interesse que pianistas clássicos de sua geração têm desenvolvido a respeito de transcrições, colaborações e repertórios pouco visitados, com que alternam o repertório mais canônico. Depois de sua interpretação límpida do "Concerto" de Schumann na última sexta, o islandês encantou a Sala São Paulo com uma transcrição delicada de "As Artes e as Horas", ária vinda da última ópera de Jean Philippe Rameau (1683-1764), "Les Boréades”, disponível em plataformas de streaming. Não exatamente difícil, mas deliciosamente suave, a obra lhe permitiu criar uma intimidade inesquecível com o público, ressaltando sua capacidade de acariciar o piano. "É música do futuro, coisa que Mahler poderia ter escrito", disse à plateia.

Além disso, Ólafsson recebeu a dedicatória de um concerto para piano composto pelo americano John Adams. No ano que vem, apresenta-se em duo com a pianista chinesa Yuja Wang, num repertório "meio doido"” segundo Ólafsson, que terá clássicos como Schubert e Rachmaninov, mas também vanguardistas do século XX, como Luciano Berio, e peças do jazzístico Dave Brubeck e do inovador Conlon Nancarrow.

Ao fim da conversa, recapitulando as qualidades de provocador que Ólafsson atribui a Gould e de poeta, a Nelson Freire, a pergunta é como o islandês gostaria de ser lembrado no futuro.

– Gosto de fazer as coisas do meu jeito, como Sinatra. – sorri. – Não simplesmente para ser diferente, mas minha preocupação é com ser honesto e verdadeiro. A música inevitavelmente se torna um espelho do artista.

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