Cultura
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Por — Rio de Janeiro

A música e a literatura são os universos em que Chico Buarque mais se notabilizou ao longo de sua trajetória. Mas o artista carioca, que completa 80 anos na próxima quarta-feira (19), também desenvolveu uma relação muito especial com a chamada sétima arte, o cinema.

Cinéfilo na juventude, Chico chegou a sonhar em ser ator, influenciado pela geração de atores americanos do final dos anos 1940 e início dos 1950, como James Dean e Marlon Brando, como revelou no documentário “Chico Buarque — Cinema” (2006), de Roberto de Oliveira.

Em 1966, mesmo ano em que lançou seu álbum de estreia (Chico Buarque de Hollanda) e conquistou o Festival da Música Popular Brasileira com “A banda”, o artista fez seu primeiro trabalho para o cinema, compondo uma melodia para o filme “O anjo assassino” (1966), de Dionísio Azevedo. Foi a primeira e última vez que o músico foi chamado para compor trilhas e não canções para as telas.

No ano seguinte, Chico estreou como ator interpretando a si mesmo em “Garota de Ipanema” (1967), de Leon Hirszman. Em cena, ele canta a canção “O chorinho”, composta especialmente para o filme produzido e co-escrito por Vinicius de Moraes.

Chico Buarque canta "O chorinho" em cena de “Garota de Ipanema” (1967), de Leon Hirszman — Foto: Reprodução
Chico Buarque canta "O chorinho" em cena de “Garota de Ipanema” (1967), de Leon Hirszman — Foto: Reprodução

— Achava que poderia ser ator de cinema, mas aí cresci e desisti. Sou um péssimo ator. Geralmente, quando me chamam para atuar é para interpretar a mim mesmo ou a uma versão de mim mesmo — conta Chico, de forma bem humorada, no doc de Roberto de Oliveira.

Para o músico, seu principal personagem nas telas, Paulo de “Quando o carnaval chegar” (1972), não deixa de ser uma versão de si. O longa, estrelado também por Hugo Carvana, Nara Leão e Maria Bethânia, marca o início de uma grande e frutífera parceria com o diretor Cacá Diegues. Na trilha sonora, o filme traz canções clássicas como “Mambembe”, “Quando o carnaval chegar”, “Partido alto” e “Bom conselho”.

Nara Leão, Chico Buarque e Maria Bethânia em “Quando o carnaval chegar” (1972), de Cacá Diegues — Foto: Arquivo / Cinemateca Brasileira
Nara Leão, Chico Buarque e Maria Bethânia em “Quando o carnaval chegar” (1972), de Cacá Diegues — Foto: Arquivo / Cinemateca Brasileira

Outros trabalhos de Chico como ator foram em "Vai trabalhar, vagabundo II: a volta" (1991), de Carvana; "O mandarim" (1995), de Júlio Bressane; "Ed Mort" (1997), de Alain Fresnot; e o drama português "Água e sal" (2001), de Teresa Villaverde.

Se as participações de Chico como ator não foram tantas, o mesmo não se pode dizer de sua presença em trilhas sonoras. Ao longo de décadas, o compositor se dedicou ao trabalho para o cinema, sendo responsável por canções clássicas do audiovisual brasileiro.

Chico Buarque em cena de "Vai trabalhar, vagabundo II: a volta" (1991), de Hugo Carvana — Foto: Reprodução
Chico Buarque em cena de "Vai trabalhar, vagabundo II: a volta" (1991), de Hugo Carvana — Foto: Reprodução

Após “Quando o carnaval chegar”, voltou a trabalhar com Cacá nas músicas-temas de “Joana Francesa” (1973) e “Bye bye Brasil” (1979). Fã confesso da atriz Jeanne Moreau (1928-2017), Chico conta, em revelação na série “Na trilha do som”, de Marcelo Janot, que compôs “Joana Francesa” misturando frases em francês e português para facilitar o trabalho da musa. Já sobre o trabalho em “Bye bye Brasil”, o compositor lembra que recebeu um pedido inusitado de Cacá para “deixar Maceió em paz” após escrever um verso que dizia “peguei uma doença em Maceió”. Na letra final, a música acabou poupando a cidade natal do cineasta. Quem pagou o preço foi Ilhéus: “Eu vou me mandar de trenó / Pra rua do sol, Maceió / Peguei uma doença em Ilhéus”, diz o texto definitivo. Em 2018, Cacá voltaria a ter seu cinema tomado pela obra buarqueana. O diretor comandou uma adaptação de “O grande circo místico”, baseado em peça de Chico e Edu Lobo.

Chico também construiu parcerias cinematográficas importantes com Hugo Carvana, para quem compôs o hino da malandragem carioca, “Vai trabalhar, vagabundo!”, que virou título de filme em 1973, e Miguel Faria Jr., com quem trabalhou lado a lado inúmeras vezes e de quem segue muito próximo.

— O Chico é um dos maiores brasileiros vivos. Sua obra encanta e traz esperança para milhões de brasileiros há mais de 60 anos. É um orgulho ter trabalhado com ele e ser seu contemporâneo — se emociona Faria Jr. — Tive a honra dele ter feito a música para alguns de meus filmes. Eu sei que as músicas dele melhoraram os meus filmes. E só o fato de ter provocado as composições dessas músicas já é um acontecimento importante para mim.

Chico Buarque e Giulia Gam em "O mandarim" (1995), de Júlio Bressane — Foto: Reprodução
Chico Buarque e Giulia Gam em "O mandarim" (1995), de Júlio Bressane — Foto: Reprodução

“Não sonho mais”, para “República dos assassinos” (1979), e “Imagina”, “Tanta saudade” e “Samba do grande amor”, para “Para viver um grande amor” (1983), são algumas das canções que musicaram obras de Faria Jr., que também dirigiu o documentário “Chico — Artista brasileiro” (2015).

'Samba com tesão'

Um dos maiores sucessos da história do cinema brasileiro, com 10,7 milhões de espectadores, segundo a Ancine, “Dona Flor e seus dois maridos” (1976), de Bruno Barreto, tem em sua trilha sonora três versões de uma mesma canção: “O que será?”, que marcam momentos diferentes da trama, "Abertura", "À flor da pele" e "À flor da terra".

— “Vou criar um novo gênero musical, o ‘tezamba’, samba com tesão”, me disse o Chico logo depois de assistir a “Dona Flor” na moviola — lembra Barreto. — A maioria das pessoas não sabe que “O que será?” foi feita de encomenda para o filme. Escolhi o Chico, não só pelo talento, mas sobretudo pelo seu dom de contar histórias em suas canções.

O diretor lembra que foi preciso enfrentar uma resistência à época pelo fato de não ter escolhido um compositor baiano para musicar a adaptação do clássico romance de Jorge Amado.

— Acabou sendo uma das músicas mais gravadas do Chico não só no Brasil, mas no mundo — comemora.

Sucesso na Itália, a peça infantil “Os saltimbancos”, de Sergio Bardotti e Luis Enríquez Bacalov, foi montada nos palcos do Brasil em versão desenvolvida por Chico, com canções adicionais, em 1976. Poucos anos depois, o compositor voltou ao material e, com a companhia de Bardotti e Bacalov, escreveu novas músicas para o filme “Os saltimbancos Trapalhões” (1981), de J. B. Tanko. Estrelado por Renato Aragão, Dedé Santana, Mussum e Zacarias, o longa levou 5,2 milhões de pessoas aos cinemas.

— Quando Tanko e eu pensamos na possibilidade de unir a poesia de Chico Buarque às cenas dos “Saltimbancos Trapalhões”, sabia da responsabilidade que estávamos assumindo. Mas tudo foi tão especial que eu considero que este filme é um marco do cinema brasileiro — destaca Renato Aragão, que além de ator é produtor do longa. — Lembro-me de todo profissionalismo envolvido e de como nos sentimos gratificados por encenar e registrar no cinema músicas como “Hollywood”, “Piruetas”, “História de uma gata”... realmente é um dos grandes momentos da minha vida. Chico é um daqueles artistas do panteão dos melhores do mundo. Seu talento é excepcional. Ele consegue traduzir emoções e sentimentos em forma de poesia.

“A noiva da cidade” (1978), de Alex Viany, “Perdoa-me por me traíres” (1983), de Braz Chediak, “Ópera do malandro” (1985), de Ruy Guerra, “A ostra e o vento” (1997), de Walter Lima Jr., e “A máquina” (2005), de João Falcão, foram outros longas a contar com composições de Chico em suas trilhas.

Do texto para as telas

Outra faceta na relação entre Chico Buarque e o cinema está no fato do artista ter tido várias de suas obras literárias adaptadas para a tela grande. No ano 2000, Ruy Guerra, que além de dirigir “Ópera do malandro” havia escrito com Chico a peça “Calabar”, adaptou para os cinemas o livro “Estorvo”, primeiro romance do músico, lançado em 1991. O longa disputou a Palma de Ouro do Festival de Cannes e, no ano seguinte, conquistou os Kikitos de melhor direção de fotografia e melhor trilha sonora no Festival de Gramado.

Em 2003, foi a vez de “Benjamin” ganhar vida na tela de cinema. Dirigido por Monique Gardenberg, o filme marcou o primeiro grande papel de Cleo (à época Cléo Pires), que protagoniza a produção ao lado de Paulo José, Danton Mello e Chico Diaz.

Dirigido por Walter Carvalho, o romance “Budapeste” chegou aos cinemas em 2009 contando com Leonardo Medeiros, Gabriella Hámori e Giovanna Antonelli como protagonistas.

Walter Carvalho com Leonardo Medeiros e Chico Buarque nos bastidores das filmagens de "Budapeste" — Foto: Divulgação / Adrienn Szábo
Walter Carvalho com Leonardo Medeiros e Chico Buarque nos bastidores das filmagens de "Budapeste" — Foto: Divulgação / Adrienn Szábo

— A literatura do Chico é densa e complexa. A facilidade com que ele amálgama as palavras é característica, ele junta as palavras da sua melhor maneira. E eu precisava juntar as imagens à maneira do Chico. Eu tentei tornar a palavra fílmica — fala Walter Carvalho.

No mesmo ano em que "Budapeste" debutou nas telas, chegou às livrarias o romance "Leite derramado", que vendeu mais de 300 mil exemplares. O produtor Flávio Tambellini e o diretor Lula Buarque de Holanda tinham planos de adaptar a obra para o cinema, com Antônio Fagundes e Bruno Fagundes à frente do elenco. Em contato com O GLOBO, no entanto, Tambellini afirmou que o projeto "não foi pra frente".

No momento, a diretora Anna Muylaert, de "Que horas ela volta?" (2015), trabalha na adaptação do sucesso "Geni e o Zepelim", que será rodado em 2025, com produção da Migdal Filmes e coprodução da Globo Filmes. Originalmente, "Geni e o zepelim" fez parte da trilha sonora de "Ópera do malandro", peça de Chico de 1978.

A trama irá acompanhar Geni, uma jovem profissional do sexo ribeirinha, que vive sob ataque da vizinhança. Quando sua aldeia é dominada pelo terrível exército do Comandante, todos os moradores tentam escapar pelo rio. Porém, o barco é interceptado e todos são feitos prisioneiros. É quando o inesperado acontece e a liberdade de todos passa a depender exclusivamente do desejo de Geni.

Esta não será a primeira vez que uma canção de Chico é adaptada como longa-metragem. O premiado diretor Karim Aïnouz realizou, em 2011, "O abismo prateado", uma adaptação de "Olhos nos olhos" estrelada por Alessandra Negrini e Otto Jr..

Em meio a décadas de tantos projetos, uma coisa é certa: Chico Buarque é coisa de cinema.

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