Teatro
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Por Gustavo Cunha — Rio de Janeiro

Travesti. Sílaba por sílaba, a palavra é repetida em uníssono por quem ocupa os mais de 300 assentos do Teatro Sesi Firjan, no Centro do Rio. Em meio à plateia — usando apenas uma calcinha bege, os seios à mostra —, a atriz Renata Carvalho orienta o coro (“De novo: tra-ves-ti”, ela solicita ao público), mostrando que o termo, ao ser entoado sem peso, pode flutuar no espaço como qualquer substantivo comum.

— Por que é difícil ouvir e falar essa palavra? Temos que libertá-la — reforça a artista, após uma das sessões de “Manifesto transpofágico”, espetáculo que estreou na capital fluminense (onde segue em cartaz até o fim deste mês, às segundas e terças-feiras) depois de cumprir temporadas bem-sucedidas em países como Itália, França, Espanha, Uruguai, Chile e Estados Unidos.

A atriz Renata Carvalho, em diálogo com a plateia durante a peça 'Manifesto transpofágico' — Foto: Raí do Vale/Divulgação
A atriz Renata Carvalho, em diálogo com a plateia durante a peça 'Manifesto transpofágico' — Foto: Raí do Vale/Divulgação

Está ali, no palco, o desmembramento de uma pesquisa consistente, desenvolvida há pelo menos seis anos, e fundamentada naquilo que Renata Carvalho é — e no que os outros apontam sobre ela. Sob direção de Luiz Fernando Marques, a artista costura passagens da própria vida com as histórias de outras mulheres e abre uma conversa acerca de transexualidade, “travestilidade” e outros temas. Com um aviso importante aos espectadores: “Perguntem e falem sem medo de errar”, ela pede.

— Ninguém está livre da transfobia. Então, questiono: dentro dessa estrutura, onde estamos em 2023? Qual o nosso grau de transfobia? Faço um convite ao diálogo, para escutarmos o divergente — diz.

‘Jesus trans’

Renata Carvalho é uma mulher de 42 anos, atriz, performer, dramaturga, diretora, produtora e estudante de Ciências Sociais. Desde 2017, debruça-se sobre o que define como “transpologia”, o estudo da representação social sobre pessoas trans e travestis (“Muita coisa importante falta nome”, ela afirma, reproduzindo um trecho de “Grande sertão: Veredas”, obra-prima de Guimarães Rosa).

Filha de uma dona de casa e um técnico em radiologia aposentado, a paulista nascida em Santos — que começou a estudar teatro na juventude — teve sua imagem projetada nacionalmente há mais ou menos sete anos, quando estreou “O evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu”, monólogo com texto da britânica Jo Clifford que acompanha a saga de um Jesus Cristo transexual.

Renata Carvalho em cena da peça 'O evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu1 — Foto: Divulgação
Renata Carvalho em cena da peça 'O evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu1 — Foto: Divulgação

Entre 2016 e 2020, ela rodou o país com a montagem e trilhou, fora da ficção, uma via-crúcis particular. Para grupos conservadores, transformou-se em alvo. Em Garanhuns, em Pernambuco, teve a peça interrompida por bombas. Diariamente, passou a receber mensagens de gente avisando que iria matá-la — à época, o endereço de sua casa foi compartilhado por criminosos na internet. Em determinadas sessões, foi obrigada a usar colete à prova de balas.

Hoje, apesar dos constantes pedidos para retomar o projeto, Renata está certa de que jamais voltará a encenar essa peça. E espanta-se ao lembrar que, em meio à repercussão do caso, recebeu propostas para dirigir colegas que desejavam passar pela mesma situação, com o objetivo de conquistar um suposto reconhecimento.

— As pessoas ficam equivocadas, achando que só foi a peça que me alavancou. Na verdade, o que provocou isso foi o debate que ela trouxe. Há gente que leva na brincadeira. E eu digo: foi péssimo ser censurada. Não há nenhum lado bom — desabafa. — Demorei a me dar conta de que poderia viver sem ser ameaçada de morte. Naquele período, cheguei a fazer uma espécie de testamento. Sentei com amigos e dei a minha senha do banco, com orientações. Hoje, não preciso saber de novo se o Brasil é transfóbico. Disso, eu já sei.

‘Quase morri várias vezes’

Renata se consolida hoje como uma referência artística e acadêmica não só no Brasil. Fundadora do Movimento Nacional de Artistas Transexuais (Monart), ela tem levado para países europeus debates acerca de assuntos como o conceito de “transfake” — a representação de personagens trans por atores cisgêneros —, algo que o Monart refuta. Para alunos da Universidade de Lille, na França, ela escreve uma adaptação “transpofágica” do infantil “Pequena sereia”.

—Talvez eu seja a primeira travesti de teatro que tenha uma carreira continuada e permanente no país. Nem Rogéria, nem Jane Di Castro conseguiram — lamenta.

Renata Carvalho, em cena da peça 'Manifesto transpofágico' — Foto: Raí do Vale/Divulgação
Renata Carvalho, em cena da peça 'Manifesto transpofágico' — Foto: Raí do Vale/Divulgação

O cenário, ela reconhece, vem mudando. No elenco da próxima temporada de “As five” e na produção inédita “Fim”, ambas do Globoplay, Renata avalia que a sociedade só tratará corpos transgêneros com o devido respeito (e igualdade) no momento em que a arte os incluir de fato.

— Quero uma democracia cênica ampla, geral e irrestrita. Aguardo o dia em que vou interpretar uma mãe de família, par de Cauã Reymond ou Caio Castro numa novela das 21h, e ninguém questionará a minha presença — frisa ela, que há poucos meses retomou o contato com a mãe, após duas décadas sem falar com a mulher que a expulsou de casa na juventude, época em que caiu na prostituição. — Como travesti, entrei para várias estatísticas. Quase morri várias vezes. É uma pena que não possa apertar um botão na minha mãe para ela deixar de ser transfóbica. Isso dá trabalho, e algumas pessoas não querem ter esse trabalho. Mas espero que um dia aconteça para ela.

Para Renata, a luta é diária, ela reforça. Recentemente, a atriz descobriu que seu passado quase foi outro. O “não” que ouviu após realizar o processo seletivo da Escola de Teatro Martins Penna — há 20 anos, quando trabalhava como atendente do McDonald's —, encobria, a rigor, outro “não”.

— Para as minhas amigas, a banca de julgadores contou que eu tinha sido aprovada, mas que nenhum professor sabia o que fazer com meu corpo ali — ela rememora. — Hoje, sei da importância de firmar a representatividade. É um ato político dizer que sou travesti.

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