O governo federal publicou nesta segunda-feira uma instrução normativa atualizando as regras do Programa de Gestão e Desempenho (PGD), regulamentado em 2022 na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro com a promessa de modernizar a prestação de serviço público.
- Prazer e trabalho: Quais são os sete empregos que causam mais infelicidade, de acordo com Harvard
- Estudo comprova: Semana de quatro dias faz bem para a saúde dos funcionários
Um da principais objetivos - já previsto no decreto e detalhado no novo ato do governo Lula - foi a substituição da medição de frequência dos servidores federais por uma espécie de “controle de produtividade” - que será baseado nas metas e resultados dos funcionários.
A premissa de trocar o controle de frequência pela “gestão de metas” existe desde 1995, em decreto que tratava de forma geral de regras para a prestação de serviço público nos órgãos da administração federal. Esse decreto já dava abertura legal para os órgãos dispensarem a necessidade do registro de frequência em detrimento do controle de produtividade.
Porém, foi no contexto de pós-pandemia, com a necessidade de um novo gerenciamento de trabalho, que o governo Bolsonaro instituiu o chamado Programa de Gestão e Desempenho (PGD), regulamentando o entendimento da não obrigatoriedade do ponto para órgãos inseridos neste programa e estabelecendo o foco em entregas e resultados.
Nesta segunda-feira, o Ministério da Gestão de Inovação publicou a instrução normativa com atualizações para este decreto, incluindo o chamado plano de entregas por unidade.
— O programa constrói a gestão a partir das entregas. Você monta e gerencia a sua equipe em direção a essas entregas. A nossa expectativa é ter mais resultados, mais objetividade. A administração tem como, agora, olhar e entender como estão sendo construídas esses resultados. Ela começa a poder priorizar e alocar melhor os seus recursos. Esse é o grande avanço — afirmou o Secretário de Gestão e Inovação, Roberto Pojo, um dos principais responsáveis pela Instrução Normativa.
Como funcionará?
Para viabilizar esse foco em “resultados”, o Ministério da Gestão explica que cada unidade deverá ter um plano de entrega e caberá ao chefe de cada setor monitorar os resultados dos servidores.
Os técnicos da pasta alertam que essa mudança não isenta a obrigação de cumprir a carga horária, mas estabelece mais transparência nos “resultados produzidos e nas entregas das instituições”.
— O registro de ponto é só um gerenciamento da disponibilidade do servidor, ele entrou, ‘bateu o ponto’, e você sabe que ele ficou disponível nesse período. Percebemos que usando modelos mais modernos, estamos substituindo o mero controle da disponibilidade por um controle de resultados — diz o secretário do Ministério da Gestão.
Os critérios de avaliação do plano de entregas das unidades incluem: a qualidade das entregas; o alcance das metas; o cumprimento dos prazos; e as justificativas nos casos de descumprimento de metas e atrasos, dentre outros pontos. A periodicidade da avaliação é mensal e os servidores deverão ser comunicados sobre os resultados atingidos ou não atingidos.
O monitoramento geral ficará por conta do chamado Comitê Executivo do Programa de Gestão, no âmbito do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
Em caso de não cumprimento das metas estabelecidas nos planos de cada órgão ou entidade será estabelecido um prazo para a regularização das pendências. Em caso de não atendimento, será recomendada a suspensão do órgão ou entidade do Programa de Gestão e Desempenho.
— A Instrução Normativa (desta segunda) detalha como é que você operacionaliza e institui de fato o programa de gestão dentro da sua organização. Ou seja, o plano de trabalho, a periodicidade de avaliação, as consequências do não cumprimento do plano de trabalho — cita o secretário.
O GLOBO mostrou que é previsto, em caso de descumprimento do plano, desconto na folha de pagamento do funcionário público. Uma métrica de cálculo sobre quanto seria o desconto ainda será definida.
— É plenamente legal a previsão e o empregado pode ser punido com o desconto salarial. O contrato de trabalho é sinalagmatico, ou seja, gera obrigação para ambas as partes e o empregado tem a obrigação de prestar o seu trabalho de forma adequada e satisfatória — avalia Mauricio Corrêa da Veiga, advogado trabalhista e sócio do Corrêa da Veiga Advogados.
O que especialistas dizem?
Fernando Paiva, advogado especialista em direito do trabalho, cita que a medida é positiva no caminho da modernização do serviço público. Ele também lembra que a dispensa do registro de ponto não é generalizada e sim específica para quem adota o programa.
— No ano passado, em 2022, o decreto aprofundou essa regulamentação. Antes havia (desde 1995) uma interpretação sobre a não necessidade ponto, mas com o Programa de Gestão de Desempenho houve o entendimento que o controle seria baseado na produtividade — afirma Paiva.
Já Pedro Abdo, advogado especialista em direito administrativo, afirma que carreiras do judiciário já trabalham, por exemplo, como foco na resolução de processos e não no cumprimento de horário. Para ele, quem não trabalha diretamente com o público já vinha passando por essa mudança de lógica.
— Para muitos cargos públicos não faz sentido o controle de pontos, porque muitas vezes precisam trabalhar por produtividade. Quem trabalha mais internamente, com processos, não faz sentido exigir carga horária. No geral é uma medida alinhada com o que é de mais moderno com administração pública. Agora, temos que ver a forma como a finalização (sobre metas atingidas por unidade) vai ocorrer na prática — avalia.
Para a advogada Lorrana Gomes, especialista em processos de trabalho, a mudança nos órgãos deve ser acompanhada de um procedimento "bem estabelecido de planejamento e organização", para não prejudicar as entregas e desregular o tempo dos servidores dos funcionários.
— A partir do momento que eu tiro esse controle de jornada e começo a fazer uma avaliação por desempenho, pode haver uma falta do controle do prestador de serviço, no sentido de qual vai ser efetivamente o horário que vai estar à disposição. Não pode ser 100% maleável — pontua a advogada.
Trabalho no exterior
O teletrabalho no exterior ficará limitado a 2% do órgão ou entidade da administração federal, inserido no Programa de Gestão e Desempenho.
- 'Big brother' no home office: Empresas usam software para vigiar e cortam salário de quem sai da frente da tela
- Dicas dos especialistas: Como pedir aumento no trabalho presencial ou remoto?
Segundo o Ministério de Gestão, a finalidade da limitação é “permitir o acompanhamento dos casos específicos, avaliando os resultados" dos servidores fora do país.
O decreto e a instrução normativa estão valendo para os ministérios, órgãos diretamente subordinados à administração federal, autarquias, e os chamados órgãos fundacionais (com o IBGE).
Ainda conforme a Instrução Normativa, cada órgão e entidade terá o prazo de doze meses para adequar o seu Programa de Gestão e Desempenho - a partir desse novo formato estabelecido com mais detalhes em relação ao decreto de 2022.
Teletrabalho
A instrução normativa também trata das regras para o trabalho remoto. Alguns pontos são:
- O trabalho pode ser remoto ou presencial de acordo com a necessidade do órgão ou unidade, ou com os critérios da vaga ocupada, com a necessidade ou não de atendimento ao público;
- A chefia de determinada unidade e o servidor autorizado ao trabalho remoto poderão repactuar, a qualquer momento, a modalidade e o regime de serviço;
- Só poderão ingressar na modalidade teletrabalho aqueles que já tenham cumprido um ano de estágio probatório.