Quanto mais a guerra na Ucrânia se prolongar, mais difícil será para que seus aliados concordem em garantir a assistência necessária para vencer a guerra. É sobretudo nos Estados Unidos, com o desacordo entre democratas e republicanos em continuar com o apoio militar, onde se torna claro que a Ucrânia está cada vez mais enfraquecida no cenário internacional. A mudança no discurso do presidente americano, Joe Biden, no encontro com o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, em dezembro passado, em Washington, não passou despercebida.
— Continuaremos a fornecer armas à Ucrânia enquanto for possível — disse Biden, que até então mantinha a promessa de apoio “enquanto fosse necessário”.
Os países que compõem o G7 — Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá — comprometeram-se, em julho de 2023, a estabelecer planos bilaterais de segurança com a Ucrânia durante dez anos. O primeiro acordo foi apresentado em janeiro com o Reino Unido. No entanto, o Washington Post revelou, em 27 de janeiro, que o plano de Biden, segundo fontes do governo, contempla um nível de assistência à Ucrânia que lhe permita travar os avanços russos, mas descarta a possibilidade de recuperar os 18% do território ucraniano nas mãos do Kremlin.
Mensagens a esse respeito também chegaram da Alemanha. Christoph Heusgen, diretor da Conferência de Segurança de Munique (fórum de referência entre governos para debate sobre conflitos militares), ex-embaixador da Alemanha nas Nações Unidas e conselheiro da ex-chanceler Angela Merkel afirmou, em 31 de janeiro, que o fim do conflito passa inevitavelmente por uma situação como a dos acordos de Minsk, de 2015, em que foi determinado um cessar-fogo entre a Ucrânia e os separatistas pró-Rússia na região do Donbass.
— Já devemos pensar em como pôr fim a isto, temos de chegar a uma situação como a de 2015, quando Vladimir Putin reconheceu Petro Poroshenko como presidente da Ucrânia — disse Heusgen ao canal de TV ARD. — Putin disse que com esse governo não quer fazer a paz. Isso tem de mudar, é preciso aceitar Zelensky. E este tem de saber qual preço está disposto a pagar, como em Minsk. Não vejo outra alternativa.
A rede de televisão americana NBC informou, em novembro passado, que em uma reunião de ministros da Defesa, diplomatas americanos e europeus perguntaram aos seus homólogos ucranianos "do que poderiam abrir mão para chegar a um acordo de paz com a Rússia". As fontes consultadas pela NBC indicaram que a discussão foi “delicada”.
Zelensky não mudou nem um pouco em relação à sua chamada Fórmula da Paz, que estabelece que o fim da guerra só será possível se Moscou retirar seus soldados da Ucrânia e devolver todos os territórios ocupados. A posição oficial dos governos aliados é que apoiarão as condições que a Ucrânia exigir para negociar com Moscou.
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— Não podemos permitir que a Rússia vença. Devemos dar à Ucrânia o apoio que lhe permita negociar a paz nas melhores condições — disse o presidente francês, Emmanuel Macron, em 20 de dezembro, admitindo que “há países europeus que possivelmente começam a duvidar” da chance de vitória de Kiev.
O presidente da Polônia, Andrzej Duda, afirmou na sexta-feira, na televisão Channel Zero, que não estava claro para ele se a Península da Crimeia poderia voltar ao controle da Ucrânia, mas expressou confiança de que as províncias do Donbass seriam liberadas.
O problema da Ucrânia é que, como o próprio Zelensky reiterou em janeiro deste ano, nunca recebeu apoio suficiente para vencer a guerra, apenas para resistir. O Orçamento da Defesa russo para 2024 é mais de três vezes superior ao da Ucrânia, considerando as melhores previsões para a transferência de fundos europeus e americanos.
O comandante-chefe das Forças Armadas ucranianas, Valeriy Zalujny, escreveu um ensaio para a CNN no qual defende que o Ocidente não tem recursos suficientes e não fornece a assistência necessária para fazer recuar as tropas invasoras. A alternativa seria desenvolver uma nova estratégia de máxima eficiência com os recursos tecnológicos disponíveis, explorando especialmente o uso de drones.
“Devemos ter em conta uma redução no apoio militar de aliados-chave que estão envolvidos em suas próprias tensões políticas. Os arsenais de mísseis, defesas aéreas e munições de artilharia dos nossos parceiros estão cada vez mais esgotados”, escreveu.
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Oleksandr Daniliuk, antigo conselheiro do Ministério da Defesa ucraniano e da liderança das Forças Armadas, publicou um artigo para o RUSI, um dos principais institutos de estudos de defesa do Reino Unido, alertando aqueles que sugerem que se aproxima o momento de negociar com a Rússia
“A ameaça de que a ajuda à Ucrânia acabe ou seja reduzida só aumentará no futuro”, escreveu. “Qualquer tentativa de concluir [a guerra] com um tratado de paz com a Rússia, segundo o qual a Ucrânia pudesse sobreviver apesar de perder território e soberania, seria outro acordo de Minsk, dando a Putin uma pausa estratégica para preparar uma nova agressão.”
Acadêmicos a favor da negociação
O jornal alemão Der Spiegel publicou, em dezembro, que o chefe da Chancelaria alemã, Wolfgang Schmidt, apresentou em uma reunião, como exemplo da estratégia a ser seguida, as propostas do acadêmico americano Samuel Charap, pesquisador do centro de estudos RAND.
Charap defende que a solução do conflito passa inevitavelmente por assumir que a Ucrânia não conseguirá recuperar todo o seu território, e que a guerra deve terminar o mais rapidamente possível porque, caso contrário, corre-se o risco crescente de uma escalada bélica que afete diretamente os países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
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Charap não é o único que defende posições semelhantes no mundo acadêmico. Anthony King, diretor do Instituto de Estudos de Estratégia e Segurança da Universidade de Exeter, no Reino Unido, publicou em 29 de janeiro, no jornal Moscow Times, que a melhor posição para a Ucrânia “é uma estratégia defensiva agressiva”.
“A Rússia poderia manter as terras que invadiu ilegalmente, mas o preço de tentar uma nova agressão seria catastrófico. A Ucrânia precisa assegurar o terreno que ocupa agora e tornar impossível à Rússia invadi-lo”, explicou.
No texto, ele também questiona se seria realista pensar na recuperação de territórios:
“A Ucrânia tem direito à reintegração total dos seus territórios, o que seria desejável em um mundo ideal, mas será uma estratégia realista para 2024?”, pergunta King, ao que ele próprio responde: “Parece improvável. Uma estratégia ucraniana maximalista poderia enfraquecer o apoio ocidental em vez de fortalecê-lo.”
Coreia como referência
Stephen Kotkin, professor da Universidade de Stanford e um dos mais renomados historiadores da História Rússia — e dos países que formaram o antigo Império Russo —, argumentou que a melhor opção para a Ucrânia é desistir, pelo menos temporariamente, dos territórios ocupados.
A tese de Kotkin é que “o tempo de vencer a guerra” já passou e agora “a paz deve ser conquistada”. O precedente histórico mais semelhante, segundo Kotkin, seria o da Península Coreana com uma parte, a Coreia do Sul, rica e com um modelo de democracia liberal que mostra o isolamento da parte Norte.
O ex-comandante supremo das forças da Otan James Stavridis se referiu a isto numa entrevista em 28 de janeiro. O almirante americano, segundo The Hill, indicou que o momento ideal para negociações de paz entre a Rússia e a Ucrânia virá depois das eleições presidenciais dos EUA, em novembro de 2024. Stavridis observou que, em sua opinião, tudo indica que o conflito terminará com um divisão da Ucrânia, como na Coreia.
Mas há outra questão determinante: se a Rússia está disposta a negociar. Fontes do Kremlin explicaram, em dezembro passado ao The New York Times e em janeiro deste ano à Bloomberg, que Putin tinha transmitido à Casa Branca, através de canais não oficiais, o seu interesse em concordar com a paz, aceitando mesmo a adesão da Ucrânia à Otan. A Casa Branca descartou que Moscou esteja realmente interessada em abrir um processo de negociação.
Em um breve ensaio publicado em janeiro, o general da reserva norueguês Arne Bard Dalhaug resumiu o que a maioria dos analistas de defesa conclui: que a Rússia controla a guerra, vê o Ocidente como enfraquecido e, portanto, não tem incentivos para ceder.
“O Kremlin não vê razão para acabar com a guerra. As dúvidas ocidentais convencem Putin de que a Otan não tem energia suficiente para se envolver na guerra como a Rússia”, escreveu.
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