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Por — Detroit

Números enganam. A campanha democrata pode escolher olhar para o copo cheio: nas primárias do Michigan, estado decisivo para as eleições de novembro, e que foi às urnas nesta terça-feira, Joe Biden recebeu, até o fim do dia no Brasil, quase 80% dos votos em seu flanco. Mas, sem concorrente real, o presidente deve ter dormido preocupado com o recipiente vazio: mais de 100 mil eleitores (ou 13% do total) da base governista cravando "sem compromisso" na cédula, embalados pela campanha Listen to Michigan, mais do que o dobro em relação a quatro anos atrás. Entre os republicanos, Donald Trump venceu com folga (68%), mas também viu seus pontos fracos expostos com pouco menos de um terço dos eleitores (26,5%) preferindo Nikki Haley, a ex-governadora da Carolina do Sul que, em suas próprias palavras, fez campanha no estado do meio-oeste "por três dias, contra oito anos de meu adversário".

Lançada há três semanas pelos árabe-americanos, maioria em cidades como Dearborn e Hamtramck, na Grande Detroit, e abraçada por estudantes, e pela ala mais à esquerda do partido, incluindo parte da comunidade judaica local, a campanha "Listen to Michigan" mandou mensagem clara à Casa Branca: "ou passa a apoiar um cessar-fogo imediato em Gaza e suspenda a ajuda militar a Israel, ou não conte com nosso voto em Biden em novembro", como repetiram seus líderes em manifestações desde então.

Em Dearborn, com todos os votos contados, 56% foram para "sem compromisso", contra 40% para Biden. A celebração contou com um rabino puxando o grupo que cantava, em hebraico e inglês, "guerra nunca mais" e "cessar-fogo já". Todos enfatizavam o significado dos 100 mil votos, ao lembrar que, em 2016, na disputa final no estado, o ex-presidente Donald Trump venceu a ex-secretária de Estado Hillary Clinton e levou os 15 delegados cruciais para chegar ao poder por apenas 11 mil votos. Biden derrotou Trump quatro anos depois por 154 mil votos. Cada eleitor importa em disputa tão acirrada.

No Michigan, o resultado das prévias democratas, apontam especialistas, deixou a candidatura à reeleição do presidente refém da comunidade árabe-americana. O Censo americano estima que cerca de 300 mil pessoas de origem árabe vivem na Grande Detroit. Há quatro anos, o grupo, de acordo com pesquisas de boca de urna, foi crucial para os democratas.

Apenas em 2008, quando herméticas regras internas do partido impediram dois candidatos de concorrer contra Hillary Clinton — um deles, o então favorito Barack Obama — os números de "sem compromisso", mas no caso disfarçados de apoio ao futuro presidente, superaram a marca desta terça-feira, com quase 40% dos votos, ou 238 mil eleitores. Mas à época, ao contrário do movimento anti-Biden, de agora os descontentes acabaram mobilizando ainda mais a militância democrata pró-Obama.

'Uma questão moral'

O tom do voto de protesto nesta terça-feira, que, teme o quartel-general da campanha Biden, pode se espalhar nas próximas primárias em estados país afora, foi dado pelo prefeito democrata de Dearborn, Abdullah Hammoud, nesta terça-feira, quando votava:

— Marcar 'sem compromisso' não é uma questão árabe ou muçulmana. É uma questão moral.

Coordenadores da campanha à reeleição, como a governadora do Michigan, Gretchen Whitmer, enfatizaram nesta terça-feira que Biden segue focado em resolver a "crise humanitária" em Gaza de forma diplomática e de seguir negociando um cessar-fogo, que pode, segundo a Casa Branca, ser anunciado até segunda-feira. E que nada impede os eleitores que votaram "sem compromisso" nesta terça cravarem Biden em novembro, para derrotar Trump, que, lembram os caciques democratas, no primeiro mês de seu governo baixou ordem executiva que suspendeu a entrada de refugiados sírios e impediu a entrada no país de cidadãos de países com população majoritariamente de fé muçulmana, entre eles Irã, Líbia, Somália, Sudão, Síria, Iêmen e Iraque. A ordem, popularizada como "Proibição muçulmana" ,foi revogada por Biden como um de seus primeiros atos de governo em janeiro de 2021. Após a confirmação dos resultados da prévia de terça, presidente mandou mensagem de agradecimento aos democratas sem mencionar Gaza.

Ecos de 1968

Em Dearborn, Layla Elabed, irmã da deputada federal democrata de origem palestina Rashida Tlaib, e outros líderes, celebraram os números anunciando que "nossa campanha humanitária e de pressão pelo cesar-fogo" seguirá para outros estados, entre eles os vizinhos Wisconsin e Minnesota, nos próximos capítulos das primárias. E para a Convenção Democrata em julho, na mesma Chicago que em 1968 viu os pacifistas contrários à Guerra do Vietnam protestarem por sete dias na reunião que homologou o então vice-presidente Huber Humprey para a sucessão de Lyndon Johnson. No pleito, os republicanos tiveram vitória decisiva nas urnas, com Richard Nixon traduzindo as imagens de Chicago como as do "partido do caos". Mais de meio século depois, soldados americanos não estão na Faixa de Gaza, mas o apoio a Israel sangra Biden à medida em que aumenta o número de mortos no enclave e que os manifestantes denunciam o que acreditam ser sua "cumplicidade com o genocídio de palestinos".

O ex-deputado democrata Andy Levin, importante líder da comunidade judaica no estado, afirmou à CNN, também no QG da Listen to Michigan, que o resultado foi “histórico”. Pediu que jovens estudantes, centrais no voto de protesto no Michigan, engrossem o movimento “pacifista” país afora. E alertou: "não há como Biden se reeleger sem o Michigan. Espero que a campanha de reeleição tenha entendido a mensagem das urnas nesta terça-feira".

Os números do Michigan são tudo o que a campanha à reeleição não queria — transformar as eleições em um referendo sobre o governo Biden e suas decisões mais consequentes e não sobre o de seu adversário republicano. Ver o dedo apontado pelos manifestantes para a política externa da Casa Branca e não para a ameaça à democracia representada por Trump, entre outros motivos, por sua atuação durante o ataque ao Capitólio após a confirmação de sua derrota em 2020.

Biden ainda teve uma outra dor de cabeça ontem: um dos principais grupos que financia a candidatura de Robert Kennedy Jr., independente, à presidência, anunciou ter reunido o número necessário de assinaturas para incluí-lo na cédula em dois outros estados decisivos: Geórgia e Arizona. Todas as pesquisas mostram que, no momento, ele tira mais votos de Biden do que de Trump. Em 2020, Biden venceu na Geórgia com uma vantagem de apenas 0,2%. No Arizona, de 0,3%.

Trump também tem problemas

Entre os republicanos, por sua vez, é hoje impossível imaginar outro candidato à Casa Branca que não se chame Donald Trump, vitorioso em todas as prévias até o momento. Mas seu novo tento, por larga margem, no Michigan, também esconde problemas sérios.

A ex-governadora Nikki Haley teve quase um terço dos votos no estado e subiu ainda mais o tom logo após os primeiros resultados serem divulgados, afirmando que escolher Trump equivale a "suicídio" para os EUA, os republicanos estão embarcando num "barco furado" e os votos dados a ela eram prova de que ele não conseguirá vencer em novembro. Embora as média das pesquisas, hoje, mostre um empate técnico entre o republicano e Biden no voto popular, a ex-embaixadora dos EUA na ONU, no entanto, argumenta que Trump tira votos do partido, e não acrescenta, com moderados e independentes.

– Trump fez campanha em Michigan por oito anos, eu por três dias. E ainda assim um terço de quem foi às urnas nesta terça-feira para votar com os republicanos o fez simplesmente para votar contra ele — afirmou, em entrevista à CNN, logo após a votação encerrar no estado, se referindo aos resultados parciais até aquele momento.

Até o fim do dia, Trump não havia se manifestado. Vitórias gordas podem pesar mais do que se imagina.

*Enviado especial do GLOBO a Detroit.

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