Política
PUBLICIDADE

Por Bernardo Mello

Criador da expressão "presidencialismo de coalizão", o cientista político Sérgio Abranches avalia que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não se adaptou à lógica "mais adversa" da relação com o Congresso. Contudo, para o intelectual, as críticas do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), à interlocução política do Planalto são motivadas não pela busca de um novo modelo de relação, mas sim pelo desejo de "retornar a uma situação similar à do orçamento secreto".

O que explica a dificuldade do governo Lula na relação com o Congresso?

Em 2018, o sistema se desorganiza com a quebra da disputa entre PT e PSDB e o ápice da fragmentação partidária na Câmara. Até então, sempre havia partidos grandes que serviam de pivô da coalizão vencedora, como foi o PFL com Fernando Henrique e o PMDB com Lula. Em 2022, o fim das coligações proporcionais e a cláusula de barreira reduzem essa fragmentação, mas deixando uma série de bancadas de tamanho médio, sem poder de veto na agenda do Congresso. Ou seja, as novas regras ainda não geraram a reorganização partidária esperada. Com isso, as coalizões se tornaram líquidas. Não se consegue formar maiorias com o mínimo de espinha dorsal.

Em entrevista ao GLOBO, o presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que o modelo de coalizão “não funciona mais”. Qual é a sua avaliação?

O presidencialismo de coalizão se impõe no Brasil por uma impossibilidade estrutural de o presidente fazer maioria com seu partido. E o Executivo, em nosso sistema, precisa do Congresso para cada etapa do governo, daí a necessidade da coalizão.

O semipresidencialismo, como já ventilado por Arthur Lira, é uma possibilidade?

Lira não está atrás de outro modelo, e sim de retornar a uma situação similar à do orçamento secreto, que é arbitrário e anarquiza as políticas públicas. Se deixarmos a política educacional, por exemplo, ser feita na base da liberação de verbas para reformar escola X ou Y porque um deputado pediu, perderemos qualquer possibilidade de um projeto estratégico de qualidade no ensino. Até mesmo os sistemas semipresidencialistas funcionais têm coalizões, como foi com a Geringonça, em Portugal.

Mas como reorganizar a relação entre Executivo e Legislativo no pós-orçamento secreto, cuja extinção não diminuiu o volume de emendas parlamentares?

O engano foi imaginar que o único problema era a falta de transparência, quando a questão mais crítica é a entrega de nacos cada vez maiores do orçamento para quem só quer beneficiar a própria base. O ecossistema legislativo se tornou mais adverso. Não adianta dar ministério, nisso Lira tem razão, porque todo mundo está na expectativa de ter emenda. Outro erro foi centralizar o poder na Casa Civil, esvaziando a capacidade de negociação que o ministro (Alexandre) Padilha deveria ter na articulação política. Um governo emperrado, que não entrega o que já prometeu desde a época da PEC da Transição, não vai funcionar.

Entregar cargos para partidos aliados ajuda a resolver?

Além da disfunção entre Executivo e Legislativo, há um enfraquecimento do sistema partidário. Parece que Lula acha que a maneira de negociar com o Congresso ainda é a do primeiro mandato. Só que os partidos também perderam identidade. Dar um ministério para o União Brasil não é o mesmo que era dar para o antigo PFL. Porque o União Brasil é um pedaço do DEM, uma versão anêmica do PFL, combinado ao PSL, que foi uma casca inchada pela votação do Bolsonaro em 2018, mas sem nenhuma espinha dorsal. O União Brasil é irremediavelmente dividido, portanto muito difícil de conversar.

Então não há resposta de curto prazo?

No atual momento, estamos numa transição na qual não há solução boa. O governo só consegue aprovar medidas negociadas caso a caso, compartilhando a decisão com os presidentes da Câmara e do Senado, que também ficaram com menos poder. Uma coisa bem-vinda seria um partido com alguma consistência ocupar o lugar do PSDB. Hoje vejo um vácuo, porque o PL é um partido invertebrado. Se a disputa presidencial vira algo ultrapolarizado, o sistema não vai se organizar nunca. Outra coisa importante seria, através da reforma tributária, descentralizar o orçamento para estados e municípios.

Esta dificuldade de formar uma base sólida pode ameaçar votações cruciais para o governo, como a do arcabouço fiscal?

Hoje vejo consenso mínimo no Congresso de que sem arcabouço fiscal há inflação. E que a inflação tira voto. O que põe em risco é o governo continuar interpretando mal, achando que o ecossistema é o mesmo e, portanto, se fizer mais do mesmo consegue resolver as coisas. Não consegue. Hoje é mais fácil frustrar as expectativas dos parlamentares do que era no passado.

A derrubada pela Câmara de trechos dos decretos de saneamento de Lula foi um teste para a base do governo?

Vejo como uma questão idiossincrática do governo, de propor reestatização a Congresso privatista, que obviamente não vai aprovar isso. Agora, acho que este modelo, em que o Executivo regula por decreto e depois o Congresso fiscaliza e eventualmente derruba, faz mais sentido do que precisar negociar o lançamento de cada política pública.

Mais recente Próxima Senado analisa projeto sobre terrorismo sob críticas de delegados da PF e de movimentos sociais

Inscreva-se na Newsletter: Jogo Político

Mais do Globo

Gisèle Pelicot foi vítima de abusos de mais de 70 homens entre 2011 e 2020, segundo a acusação

Francesa dopada pelo marido para que estranhos a estuprassem consegue o divórcio após 50 anos

Especialistas preveem que regras sejam publicadas ainda este ano. Confira o que está para sair

Depois do CNU: Banco do Brasil, Correios e INSS, veja os concursos com edital previsto

Em 2016, com recessão e Lava-Jato, rombo chegou a R$ 155,9 bilhões. Pressão política para investir em infraestrutura preocupa analistas, que defendem regras de gestão mais rígidas

Fundos de pensão de estatais ainda têm déficit de R$ 34,8 bi e acendem alerta sobre ingerência política

Ministro das Relações Exteriores da Espanha, José Manuel Albares, afirmou que Madri atendeu a um pedido de González ao conceder asilo e disse que portas estão abertas para outros opositores

Espanha não ofereceu 'contrapartida' a Maduro para retirar González Urrutia de Caracas, diz chanceler da Espanha

Dispositivos finalmente ganharão atualizações relevantes, depois de dois anos sem novidades

Além do iPhone 16: veja os novos Apple Watch e AirPods que serão lançados hoje

Suspeito do crime, Tiago Ribeiro do Espírito Santo foi preso momentos depois e autuado por feminicídio

Garota de programa é morta estrangulada em hotel no Centro do Rio

Fazendeiro receberá compensação anual de R$ 54 mil, pois a aeronave impede o plantio de grãos no terreno

Empresa aérea começa a desmontar avião preso em campo de trigo na Sibéria um ano após pouso de emergência

Gorki Starlin Oliveira conta como uma estratégia de aquisições garantiu a sobrevivência de sua empresa em meio ao colapso das grandes redes de livrarias do Brasil

‘Compramos editoras para brigar por prateleira’, diz CEO da Alta Books