Hollywood, às vezes, escreve certo por linhas muito tortas. Foi o caso das muitas idas e vindas que culminaram na escalação de Bruce Willis no principal papel da sua gloriosa carreira - interrompida precocemente em 2022 por conta de afasia (logo depois, o astro também seria diagnosticado com demência e se retirado completamente dos holofotes).
O policial John McLane foi o ponto de partida de Willis para ser um dos maiores astros do cinema no final dos anos 1980 e por todos os anos 1990. O primeiro filme da franquia 'Duro de Matar' (1988) é um marco no gênero por humanizar a figura herói - que não parece mais uma versão armada até os dentes do Superman - e colocar ironia e humor afiado em doses cavalares.
Ou seja, o então jovem ator da série 'A Gata e o Rato' seria uma escolha "no-brainer", certo?
Errado. A contratação de Bruce Willis para 'Duro de Matar' - que depois virou franquia milionária com mais quatro filmes, o último lançado em 2013 - foi mais acidental do que qualquer coisa. Os produtores tinham as mais variadas ideias de quem deveria encarnar o detetive de Nova York que, em viagem para Los Angeles para tentar salvar seu casamento, acaba se engalfinhando com uma perigosa quadrilha internacional.
No total, nove nomes poderiam ter feito o personagem e a história do cinema certamente seria outra.
O primeiro é provavelmente o mais surpreendente, mas tem a ver com a longa espera que 'Duro Matar' enfrentou até ganhar sinal verde de algum estúdio. Vinte anos antes do primeiro filme ser produzido, o roteiro já circulava em Hollywood e os seus direitos foram adquiridos provisoriamente por Frank Sinatra - isso mesmo, o cantor e, por bem-sucedidas vezes, ator. A ideia era fazer uma espécie de continuação de um dos seus últimos sucessos na tela grande, 'Crime sem Perdão' (1968).
Mas o crooner consagrado por "My Way" não se empolgou o suficiente e o projeto ficou engavetado por muitos anos.
Aí, é claro, nos anos 1980, com a explosão do gênero ação nas bilheterias, as escolhas mais óbvias recaíram nos responsáveis pelo fenômeno. Os "rivais" Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger estavam por cima do jerked beef e recebiam dezenas de roteiros desse tipo de aventura na caixa do correio todas as semanas.
Sly, como é chamado carinhosamente por amigos e familiares, achou 'Duro de Matar' muito parecido com o veterano de guerra Rambo e declinou sem demora. Também temia ficar muito marcado por fazer um só tipo de produção, um dos principais motivos para os críticos pegarem constantemente no seu pé e fazerem dele o maior vencedor do anti-prêmio Framboesa de Ouro.
Já Arnie até demonstrou interesse no filme porque tinha acabado de trabalhar com o produtor Joel Silver em 'Predador' (1987), que fez imenso sucesso. Mas o script estava ainda com vários pontos em aberto e o cavalo, como se diz no popular, "passou selado" e o Exterminador não o pegou.
"A gente conversou sobre 'Duro de Matar', mas no final eles acabaram contratando Bruce Willis", disse o astro e ex-Governador da Califórnia, anos mais tarde.
Willis, a partir da negativa dos dois nomes mais fortes de Hollywood naquele momento, teve vida fácil e só correu para o abraço com os terroristas liderados por Alan Rickman no Nakatomi Plaza? Nada disso. Os executivos ainda tinham outras muitas ideias brilhantes nas reuniões de gabinete e astros no bolso do colete com o intuito de emprestar ou prestígio ou apelo popular para o ainda inédito, desconhecido e arriscado 'Duro de Matar'.
Na primeira categoria, encaixa-se Robert De Niro, considerado o maior ator norte-americano à época, ainda jovem e com seus dois Oscars na prateleira, por 'O Poderoso Chefão 2' (1974) e 'Touro Indomável' (1980). Porém, naquela época, Bob priorizava claramente papéis e produções mais arrojadas artísticamente e o "não" foi automático.
A partir dos anos 1990, isso mudaria bastante, como os fãs bem perceberam - ah, se os produtores esperassem mais um pouco...
Na outra, muitas alternativas. Harrison Ford - dono das principais franquias do cinema, 'Indiana Jones' e 'Star Wars', quem sabe, estava à procura de outra. Mel Gibson, também experimentado com uma fórmula bem parecida com 'Máquina Mortífera', humor com ação.
Richard Gere, galã do momento e que poderia também enveredar na ação para fazer caixa. Don Johnson, que poderia fazer uma transição parecida com a de Willis e deixar de ser um astro da TV (estrelava a série policial 'Miami Vice') e ir para a tela grande. Por um motivo ou outro, nenhuma dessas negociações avançou.
E finalmente Clint Eastwood, com o objetivo de se renovar como astro do gênero cujas bases ajudou a fundar nos anos 1970 com seu 'Dirty Harry'.
Ao que consta, o artista - à época se firmando definitivamente como um dos maiores diretores do cinema (lançaria naquele mesmo ano 'Bird', a cinebiografia da lenda do jazz Charlie Parker, que lhe deu um Globo de Ouro) - não teria entendido o tom engraçadinho de 'Duro de Matar'.
"Eles procuraram Clint Eastwood primeiro. Ironicamente, a sua resposta aos produtores foi: 'Eu não captei o humor'. O que para mim foi um choque porque, se você prestar atenção, ele é uma das únicas pessoas no mmundo que pode entregar uma piadinha como aquela que o McLane fala ('Venha para Los Angeles e se divirta...'). Todo esse tipo de coisa que o personagem diz no filme. Você pode materializar ele soltando essas coisas. Clint foi minha inspiração", contou o roteirista Jeb Stuart, em entrevista, décadas depois.
A verdade é que Bruce Willis foi o "último recurso", conforme definiu um insider de Hollywood. Bom, como diz o velho ditado, os últimos serão os primeiros e isso nunca foi tão verdade quanto nos bastidores para a escolha do ator principal de 'Duro de Matar'.
Confira abaixo o trailer dos cinco filmes da franquia com Bruce Willis como protagonista, é claro.