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Como é o CT do Comitê Olímpico do Brasil e por que virou o 'lugar favorito' de muitos atletas

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Um dia de atleta olímpico no Centro de Treinamento do COB a 100 dias das Olimpíadas de Paris (5:17)

O repórter da ESPN Matheus Castro viveu a rotina de um atleta dos saltos ornamentais e da canoagem slalom (5:17)

Quem assistiu às Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016 com certeza ficou com o Parque Olímpico por muito tempo na memória. Foi no complexo esportivo localizado entre a Barra da Tijuca e Jacarepaguá, bairros da zona oeste da capital fluminense, que muitas modalidades foram disputadas e medalhas inesquecíveis do Brasil foram conquistadas, como o ouro de Rafaela Silva no judô e a prata de Arthur Zanetti nas argolas da ginástica artística.

Atualmente, quem passa pela região, acaba vendo alguns dos ginásios e também o Parque Aquático Maria Lenk, onde foi disputado o nado sincronizado, os saltos ornamentais e o polo aquático na Rio-2016. Esse local foi transformado pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) e se tornou o Centro de Treinamento do Time Brasil, a segunda casa de muitos atletas de ponta e que tem se tornado um aliado importante na reta final da preparação para as Olimpíadas de Paris, que começam daqui a 100 dias, no dia 26 de julho.

Os atletas da natação, dos saltos ornamentais e do nado artístico treinam diaramente nas piscinas do CT, enquanto a seleção brasileira de ginástica artística, tanto a feminina como a masculina, realizam seus treinamentos no ginásio ao lado, na Rioarena.

A ESPN visitou o CT e passou um dia com o seus frequentadores olímpicos para conhecer um pouco mais da rotina de treinos, dos laboratórios avançados e da inovadora sala de força e performance, também chamada de academia, que conta com um tatame diferenciado projetado por uma arquiteta e ex-judoca brasileira.

Guilherme Costa, medalha de bronze nos 400m livre no Mundial de Esportes Aquáticos de Budapeste em 2022, contou um pouco como é a rotina dos atletas da natação que treinam nas piscinas do CT.

"Eu chego aqui às 07h da manhã e fico até às 09h na água. Então, vou direto para a academia e treino até às 11h da manhã. Aí, eu volto de tarde para outro treino na piscina das 16h às 18h. Esse treino de manhã e tarde é toda segunda, terça, quinta e sexta, enquanto de quarta e sábado é só a parte da manhã."

"O que eu mais gosto daqui é que eu tenho tudo no mesmo lugar: a piscina, a academia, a fisioterapia e os laboratórios para algum teste específico. Eu não preciso sair daqui para nada. Quando a gente vai fazer uma série importante, o pessoal do laboratório sobe e consegue coletar antes, durante e depois da atividade. Assim, a gente tem os dados para entender como o meu corpo está funcionando e dá para mapear o que acontece comigo durante uma prova e aí treinar para melhorar isso.", completou o Cachorrão, como é conhecido o nadador de 25 anos.

Quem tem uma rotina parecida é Gabrielle Roncatto, integrante do revezamento 4x200m livre que bateu o recorde sul-americano da prova no último mundial de natação, disputado em Doha no Qatar no mês de fevereiro. A Gabi contou por que é apaixonado pelo Maria Lenk.

"Aqui é tudo muito integrado, em alguns treinos, além do técnico, o preparador físico acompanha e aí depois a gente faz uma avaliação de biomecânica. Às vezes tem um nutricionista, um nutrólogo, um médico, um psicólogo, um psiquiatra ou um médico e todos estão integrados. Isso faz muita diferença. A estrutura em si, a piscina de 50m, a piscina de 25m para soltura e a academia, é maravilhosa. De todos lugares que eu já passei, esse é o melhor."

Além dessas modalidades, muitos atletas que treinam seus esportes em outros locais acabam vindo para o Centro de Treinamento do Comitê Olímpico do Brasil para alguns testes específicos. A Ana Sátila da canoagem slalom é um desses exemplos. Ela costuma treinar no Parque Radical de Marechal Deodoro, na zona oeste no Rio, mas vira e mexe aparece no CT para a preparação física, fisioterapia, exames e, também, buscar ainda mais motivação.

"É uma comunidade gigantesca. O Maria Lenk é minha segunda casa. É uma sensação tão incrível você passar por essa porta e encontrar uma campeã mundial, como a Rafaela Silva ou a Mayra (Aguiar). No mesmo tempo que é uma inspiração é uma motivação para te levar além. Você começa o seu dia treinando pensando que você quer chegar lá também e quer dar o seu melhor. Essa é a ideia. Reunir em um só lugar os melhores do Brasil para que um inspire o outro. Assim, a gente consegue evoluir e trazer mais medalhas para o nosso Brasil."

A sala de força e performance é o espaço favorito de muitos atletas. É o ponto de encontro entre a galera da natação, do judô, da canoagem e de muitas outras modalidades. O Roberto Vicente, coordenador do local, até tem que separar algumas duplas que ficam "bagunçando" o espaço.

"O Vicente até tenta evitar eu e a Rafaela Silva juntas. Ou a gente fica fofocando, ou ela fica tentando me derrubar e a gente fica brigando, mas brincadeiras à parte, essa troca com a Rebeca Andrade, que treina na ginástica que é aqui do lado, a Rafa, a própria Mafê (Costa da natação) é um diferencial muito grande. Você vê esse esforço e essa dedicação, e isso faz muita diferença.", admitiu Gabi Roncatto.

A academia tem aparelhos muitos modernos que podem ser adaptados para treinar movimentos específicos das modalidades. Vicente explicou até que dá para simular a pegada do judô em um dos exercícios.

"Dá para fazer uma puxada segurando um kimono, simulando a pegada do judô, aí você produz uma força para segurar e para realizar o movimento, incluindo a volta dele. Isso porque no judô você tem a resistência contrária e o aparelho simula essa resistência. Assim, você trabalha a força concêntrica e excêntrica. A máquina armaneza os dados e nós conseguimos ir adaptando os treinamentos."

A ideia de fazer um espaço integrado é da ex-judoca e arquiteta Daniela Polzin, a Gerente de Infraestrutura Esportiva do COB.

"Hoje nós temos um espaço amplo e integramos todas as atividades em uma única sala. A grande ideia é que a gente consiga que o fisioterapeuta, que fica lá do outro lado da sala atuando com o atleta, consiga compartilhar com o preparador físicio alguma necessidade específica daquele atleta. Por exemplo, ele consegue ver um dia que um atleta está treinando melhor, então, percebe que alguma coisa que ele fez funcionou bem. Então, ele não fica restrito apenas ao feedback do atleta.", contou a campeã pan-americana nos Jogos de Winnipeg em 1999.

Outro diferencial da sala de força e performance é o tatame, também idealizado por Daniela, que serve para as modalidades de luta e pode ser montado de acordo com o esporte que vai ser utilizado, como o judô, taekwondo, caratê ou wrestling. Há um espaço para até montar um ringue de boxe.

"A gente desenvolveu uma plataforma de amortecimento. O mundo já trabalhava com esse tipo de produto, mas eles vibram demais. Nessa nossa plataforma, a gente conseguiu criar uma boa condição que amorteça bem, sem vibrar tanto. Assim, o atleta trabalha bem e uma dupla não sente a vibração da dupla que está treinando ao lado."

"Isso para a prevenção de lesão é muito importante porque o atleta cai muito, e aí se o tatame é muito rígido, fica extremamente penoso para o atleta. São molas de espuma que amortecem, mas o coeficiente de amortecimento não pode ser tão pesado para não virar uma caixa de areia, assim, fica mais fácil de se movimentar para que não fique com fadiga muscular nas pernas. Assim, ela fica na medida para diminuir a ardência na hora da queda."

A ex-judoca e agora arquiteta contou como chegou a essa solução importante.

"Quando eu comecei a trabalhar com o CT de ginástica, entendi como funciona o solo de ginástica, aí eu acabei me inspirando nesse produto e trouxe para a realidade que a gente queria dessa plataforma. Aí, nós criamos um protótipo e eu mesmo fui testar para entender o que estava acontecendo."

"Eu peguei o kimono e pedi para o Victor Penalber, que estava treinando aqui, me jogar no tamate. Pedi para ele testar e ele me deu um feedback muito positivo. Aí eu fui modificando o posicionamento das molas que ficam aqui embaixo até ficar com a sensação perfeita, não só pelos cálculos que eu estava imaginando, mas como também na prática."

Daniela acredita que sua "invenção" pode ajudar os atletas a conquistarem mais medalhas para o Brasil nas competições mundo afora.

"No alto rendimento, todos os atletas já estão muito nivelados, quem se machuca menos tem uma grande vantagem para ter um ganho perene e performar bem no seu dia principal como os Jogos Olímpicos. Tem toda uma equipe por trás, de saúde e performance esportiva, aí nós pegamos essas informações e transformamos em arquitetura e área construída."

Em outro andar do CT, os atletas podem realizar exames de biomecânica e de esforço cardiopulmonar. Além disso, o COB tem equipamentos de ponta da bioquímica e da biofísica no espaço, sendo que alguns deles são transportáveis para coletar os biomarcadores dos competidores também nos locais de competição.

"Nós usamos o exame de sangue capilar para ver o nível de lactato e outros biomarcadores importantes, como a glicemia, para entender o comportamento do atleta durante o exercício e até quando ele chega em um nível muito alto de esforço. Assim, os atletas não precisam ir até um laboratório coletar os exames e aqui, alguns deles, saem na hora.", explicou Kenji Saito, diretor de desenvolvimento esportivo e ciências do esporte do COB.

"Com o resultado que temos aqui, nós conseguimos orientar, junto com a comissão técnica, uma hidratação e uma alimentação mais adequada, entre um período de treinamento e outro. Assim, conseguimos dar esse suporte de forma imediata.", complementou Rodrigo Manda, coordenador da área de fisiologia e bioquímica do COB.

"Esses resultados também interferem na prescrição de treinamento. Com o monitoramente, conseguimos perceber se houve uma evolução e se o treinamento está surtindo efeito ou não. Se o atleta está estagnado ou piorando, alguma coisa precisa ser revista do posto de vista alimentar ou do próprio treinamento. A gente precisa colocar o atleta para performar sempre o máximo possível", concluiu Kenji

Nos três primeiros meses do ano, mais de 500 atletas de 40 modalidades diferentes passaram pelo Centro de Treinamento do Comitê Olímpico do Brasil. A 100 dias das Olimpíadas de Paris, esse número com certeza vai aumentar até a tocha dos Jogos chegar na capital da França.