A tendência atual do Supremo Tribunal Federal (STF) é a de não descriminalizar o aborto no Brasil até a 12ª semana de gestação, segundo apurou a coluna com integrantes da Corte.
A questão é alvo de uma ação apresentada pelo PSOL em março de 2017, e que aguarda até agora julgamento no plenário do tribunal.
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Nos bastidores do STF, apenas três dos onze ministros são considerados votos seguros – hoje – para descriminalizar a interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação: Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Rosa Weber, relatora da ação do PSOL.
Com esse placar, a ação seria fracassada hoje. Para o aborto deixar de ser crime, seria necessário o aval de ao menos seis ministros.
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Integrantes do STF ouvidos reservadamente pela reportagem admitem que o julgamento da Suprema Corte dos EUA, de maioria conservadora, que derrubou o direito legal ao aborto, traz reflexos para a discussão no Brasil.
Conforme informou a coluna no mês passado, o governo do presidente Jair Bolsonaro quer usar posição da Suprema Corte dos EUA para barrar a descriminalização do aborto no Brasil.
Barroso, Fachin e Rosa são votos certos pró-descriminalização porque já se manifestaram nesse sentido em um julgamento da Primeira Turma do STF, ocorrido em 2016.
“A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez”, disse Barroso naquela ocasião.
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A análise daquele caso, porém, se restringiu à situação de funcionários de uma clínica clandestina. Já ação do PSOL aborda a questão de maneira mais ampla e irrestrita, para toda a população brasileira.
Atualmente, a lei garante o direito ao aborto para salvar a vida da grávida, ou quando a gestação é fruto de um estupro. Em 2012, uma decisão do STF garantiu a medida no caso de fetos anencéfalos.
O PSOL quer permitir a interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação, independentemente da situação da mulher.
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O precedente pró-aborto do STF surgiu em julgamento da Primeira Turma, de 2016, que tratou de um pedido de habeas corpus para cinco médicos e funcionários de uma clínica clandestina presos em Xerém, na Baixada Fluminense. Naquele momento, a Primeira Turma entendeu que eles não cometeram crime e deveriam ser soltos, mas o entendimento se restringiu a esse caso.
Entre os outros ministros do Supremo, só há dúvida sobre a posição da ministra Cármen Lúcia, que é considerada feminista pelos seus pares, mas também muito religiosa.
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Os demais integrantes do STF, todos homens – Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, André Mendonça e Kassio Nunes Marques – já indicaram em público ou reservadamente serem contra a descriminalização do aborto.
Nesta semana, uma menina de 11 anos, de Santa Catarina, que ficou grávida após ser vítima de estupro, foi autorizada pela Justiça a fazer um aborto após uma grande controvérsia.
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Uma gravação divulgada pelo portal The Intercept mostrou que a juíza Joana Ribeiro Zimmer, então na Comarca de Tijucas (SC), e a promotora Mirela Dutra Alberton, tentaram impedir que a garota retirasse o feto, mesmo sendo considerada vítima de estupro por conta de sua idade.
O cenário para a ação do PSOL ficou ainda mais difícil com a chegada ao STF de Mendonça e Kassio Nunes Marques, dois ministros conservadores indicados por Bolsonaro.
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Em sabatina no Senado em dezembro do ano passado, Mendonça defendeu a preservação do “direito à vida”.
“As pessoas legitimamente eleitas para legislar e executar políticas públicas estão nos Poderes Legislativo e Executivo. Então, nesse sentido, o papel do Poder Judiciário, penso eu, deve ser um papel mais reservado”, disse o ministro, que é pastor presbiteriano.
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Integrantes da Corte da ala progressista avaliam que hoje o clima no STF não é favorável à descriminalização. “Se colocar a ação para votar hoje, não vai passar”, admitiu um deles reservadamente.
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A equipe da coluna procurou o gabinete da próxima presidente da corte, Rosa Weber, para saber se a ministra pretende pautar a ação durante a sua gestão, que vai até outubro de 2023. O gabinete informou que não se manifestaria.
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Na avaliação da advogada Luciana Boiteux, que representa o PSOL, com a demora do julgamento, “mais mulheres irão morrer vítimas de aborto ilegal e mais meninas serão obrigadas a serem mães, mesmo correndo risco de vida”.
“A lógica da criminalização do aborto é muito violenta com mulheres e meninas, o que pedimos na ação é pela garantia dos direitos constitucionais das mulheres e pessoas que gestam no Brasil”.