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Por — São Paulo

Em uma frase que ficou célebre, o crítico cultural britânico Mark Fisher diz que é mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo. A filósofa australiana McKenzie Wark discorda. Em livros como “Um manifesto hacker” e “O capital está morto”, recém-lançados no Brasil, ela afirma que o capitalismo vem sendo substituído pelo que chama de vetorialismo, sistema baseado na propriedade e no controle de informações.

Neste novo sistema dominante, saem de cena burgueses e proletários e o palco da luta de classes é ocupado por “vetorialistas” e “hackers”. Os vetorialistas são os donos do “vetor ao longo do qual a informação é recolhida e utilizada”, isto é, da infraestrutura que controla a circulação de dados. Já os hackers, nesse cenário, não são apenas figuras que invadem computadores, mas todos os produtores de propriedade intelectual, como escritores, artistas e cientistas —e, de certo modo, todos que fornecem dados gratuitos nas redes sociais.

Professora da New School, em Nova York, Wark é transexual e descreveu a experiência de circular por raves LGBTQIA+ para escapar da vigilância algorítmica no livro “Raving”, inédito no Brasil. De Palamós, na Espanha, onde participa de residência literária, ela conversou por vídeo com o GLOBO e, além de explicar sua teoria, falou de seu amor pelo poeta Fernando Pessoa.

Vetor do vetorialismo

“A tradição marxista ensina que há diferentes modos de produção que se sobrepõem e se articulam, ainda que um seja o dominante. E se houver um novo modo de produção dominante baseado na propriedade e no controle privados de informação e não de terras e fábricas? E se não vivermos mais no capitalismo, já que a economia da informação trouxe novos meios de controle e exploração? Se for verdade, quais são as novas possibilidades de resistência? É isso que chamo de vetorialismo.”

Trabalho de graça

“No vetorialismo, todos que produzem informação pertencem à mesma classe. Alguns de nós — artistas, escritores, cientistas — são relativamente privilegiados, mas, de uma forma ou de outra, nosso trabalho é explorado. Classe não tem a ver com quanto você ganha, mas com relações estruturais, e as redes sociais se apropriam do trabalho não pago de todos nós. O capitalismo sempre explorou o trabalho, mas o vetorialismo é mais perverso, extrai valor do nosso desejo de estar com os outros, de compartilhar, e até de nossas rivalidades. Transforma informação em mercadoria.”

Guerra pela atenção

“Todo modo de produção é baseado na escassez. Nos últimos 50 anos, a informação se tornou cada vez mais barata. E o que é escasso? Nossa atenção. O vetorialismo maximiza a exploração da nossa atenção pelo menor preço possível. E a informação que chama nossa atenção não é necessariamente boa ou tem valor estético. Nada chama mais atenção do que sexo, ansiedade e medo. E o medo é a base do fascismo. É por isso que a desinformação produz uma cultura fascista.”

Poder da desinformação

“Nos anos 1990, defendíamos a livre circulação de informações e as mídias alternativas. Hoje sabemos que a proliferação não guiada de informação gera mais barulho do que qualquer outra coisa. Informações cruciais se perdem no meio disso.”

Controle da IA

“Os modelos de linguagem que chamamos de inteligência artificial são tentativas de automatizar a produção de informação, que requer trabalho humano. Essas ferramentas se apropriam de bases de dados e produzem novas versões do que já existe. É um desrespeito à propriedade intelectual, que é o que garante que produtores de informação recebam por seu trabalho. É verdade que artistas podem fazer coisas interessantes com IA, mas, em primeiro lugar, temos que levar em conta quem controla essas tecnologias.”

Liberdade na rave

“As raves são um bom exemplo de uma experiência em que podemos minimizar a extração de dados e escapar da vigilância digital e dos algoritmos. Elas juntam centenas de pessoas dançando, sem celular, sem tirar fotos. São espaços de exceção onde compartilhamos amor, prazer e alegria com outras pessoas, embora ciúme, rivalidade e outras emoções negativas continuem existindo.”

Tropicália e techno

“Me interesso pela arte de vanguarda que conseguiu ser popular, como a Tropicália, que criou uma nova linguagem brasileira, negociando com influências estrangeiras. Não dá para expressar uma ideia nova em uma linguagem velha. Também há uma linguagem nova na música techno criada na Detroit pós-industrial por músicos negros. É uma música popular, progressista, esquisita, que conseguiu se apropriar das ferramentas digitais e ressoa no público. Consegue ser mais radical que John Cage e ainda faz as pessoas dançarem! A música sempre encontra o tom do contemporâneo antes das outras artes.”

Avatares de pessoa

“Sempre volto ao ‘Livro do desassossego’. É uma obra-prima! Gosto da maneira como os heterônimos são trabalhados no texto, do fato de ser um livro inacabado, composto de partes independentes que podem ser editadas de diversas maneiras. (Fernando) Pessoa teve a genialidade de observar uma nova subjetividade surgindo nas ruas e cafés de Lisboa.”

Serviço:

"Um manifesto hacker"

Autora: McKenzie Wark. Edirora: Funilaria/ Sobinfluência. Páginas: 216. Preço: R$ 64,90.

"O capital está morto"

Autora: McKenzie Wark. Edirora: Funilaria/ Sobinfluência. Páginas: 232. Preço: R$ 62,50.

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