Cultura
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Por Maria Fortuna — Rio de Janeiro

Dan Ferreira estava em um show dos Racionais Mcs quando Mano Brown entoou "Jesus chorou". Foi a deixa para que o artista baiano de 31 anos começasse a derramar as próprias lágrimas. Ao virar para o lado, avistou um desconhecido aos prantos como ele. Os olhares se cruzaram e os dois, então, passaram a música toda sustentando o olho no olho, cantando e soluçando juntos. No final da canção, comovidos, abraçaram-se.

Os motivos da emoção do desconhecido ficaram no ar, mas Dan identifica bem as razões que fazem esta canção bater forte em suas entranhas. A eclosão de memórias da infância é uma delas. Ele cresceu ouvindo "não chora, não corre" da boca do pai, um militar "zero truculento", amoroso até dizer chega, responsável por alimentar a autoestima dos filhos e por incentivar que expressassem seus sentimentos. Mas também consciente da barra pesada que é criar três meninos pretos nas periferias do Brasil - ora na de Salvador, cidade Natal de Dan, ora na do Rio de Janeiro, onde ele passou a primeira infância.

É um pouco dessa e muitas outras vivências íntimas que o ator - que dividiu com Seu Jorge o papel do protagonista no filme "Pixinguinha, um homem carinhoso", e está prestes a estrear como Gilberto Gil no longa sobre a trajetória de Gal Costa, em setembro -, narra no disco "Ilá".

O nome do álbum é uma expressão do candomblé, que remete ao sinal de que o orixá está na Terra. E de que aquela pessoa que o manifestou não está mais ali, deu lugar à divindade. Lançado na semana passada, o trabalho, que tem capa assinada pelo incensado artista paulista Robinho Santana a partir de uma foto de Dan criança, conta com participações do percussionista Robertinho Silva, das cantoras Larissa Luz e Enjoyce e da atriz e cantora Jéssica Ellen, companheira de Dan.

A relação do ator, candomblecista, com sua família, as dores de amor, as crises existenciais, a relação com a internet (“Não compare a sua vida com o feed dos outros”, diz ele, em uma das canções), a religiosidade e a saúde mental são temas das letras assinadas pelo próprio nesse disco. O álbum é regido pelo rap, mas traz também ritmos como samba, ijexá e afrobeat. Lançado como single em 2 de fevereiro, Dia de Iemanjá, orixá considerada a “dona de todas as cabeças” nas religiões de matriz africana, o rap “Saturno” prega o plantio de sementes do bem e o cuidado da saúde da mente para preservar o ancestral legado afro-brasileiro.

— Só fiz esse disco porque faço terapia. Antigamente, eu não falava sobre o passado, deixava as coisas para lá. E isso é contrário à filosofia do candomblé, em que não se deixa questões mal resolvidas — conta. — Também sempre pensei muito sobre quanto tempo leva para a gente expressar quem somos na totalidade. Tinha dúvida da minha potência, e a terapia me ajudou a entender que posso desenhar roupa, escrever, gravar, fazer tudo que eu tiver vontade. No nosso país, para um corpo como o meu, há caixas que querem nos colocar e que limitam a expressão. Quero ser o máximo que posso. Sempre tive o ímpeto de não caber nas coisas. Fugi de casa quatro vezes antes dos 4 anos...

'Ser do candomblé é um ato político'

O candomblé é outro aliado na caminhada em busca do equilíbrio e da sanidade. E tem ajudado Dan a lidar com o sentimento que canta na estrofe: “Nasci para prosperar sem culpa”.

— Não existe culpa no candomblé, existe responsabilidade, escolha. Há uma pressão social sobre o lugar que a gente pode ocupar. As pessoas não naturalizam sua prosperidade, estranham você dirigir determinado carro. E você sente culpa ao olhar o país desigual. O que me faz pensar: será que preciso jantar nesse restaurante? Pessoas iguais a mim não estão mandando em sets de filmagem. Mas chego num terreiro de candomblé e a maioria se parece comigo — analisa o filho de Oxaguiã. — Há 250 anos, pessoas pretas tiveram sua língua, seu nome, sua história, seu tempo roubados. Ser do candomblé é um ato político. Não quero que essa cultura morra. Ela é o mais próximo que posso chegar do que roubaram de quem veio antes de mim. A gente vai curando uma pá de coisa de geração para geração.

Dan Ferreira: "A gente vai curando uma pá de coisas de geração em geração" — Foto: Divulgação/ Helen Salomão
Dan Ferreira: "A gente vai curando uma pá de coisas de geração em geração" — Foto: Divulgação/ Helen Salomão

Dan cita os discos “Flower Boy”, de Tyler, The Creator, e “O menino que queria ser Deus”, de Djonga, como inspirações para seu trabalho musical. Mas o combustível principal que o incentivou a registrar a própria história em disco, materializado em vinil, tem nome e sobrenome: Máli Dayó, seu filho de 2 meses com Jéssica Ellen.

— Reparei desde que criança que a minha história e a da minha família terminavam oralmente nas minhas avós. Lembro do que vivi na casa elas, nas viagens para Salvador dentro de um Escort azul metálico com os meus pais. Essas memórias são muito fortes dentro de mim e quero que meu filho tenha acesso. Que, daqui a 100 anos, minha família que venha depois ainda tenha acesso — diz ele, que prepara um filme sobre suas avós.

A vontade de contar e ser o protagonista da própria história sempre dividiu espaço dentro de Dan com o desejo de servir às narrativas que a profissão de ator lhe apresenta.

— Como ator, a gente interpreta histórias que outras pessoas criam. Nem sempre a gente consegue contá-las como queremos. Desde cedo, tenho necessidade de criar, expressar e compartilhar coisas que tenho dentro da cabeça. Desenhava casa, tênis... A música acabou servindo como veículo porque também me forjou. Minha casa era musical, meus pais ouviam Stevie Wonder, Michael Jackson, Gil, John Coltrane, Gal, Lazzo Matumbi, Edson Gomes, Olodum — recorda ele, que fazia as tarefas domésticas ao som da Timbalada.

Mais tarde, veio o hip-hop gringo, que dominou o som durante sua adolescência. Mas foi o rap nacional que fez Dan se reconhecer e enxergar aspectos da sua vida nas letras. Também veio daí o incentivo para rascunhar as ideias que só agora ele compartilha com o público.

Paternidade

Com o disco na praça, o artista trata de elaborar um fato que anda lhe tirando o sono: vai ter que ficar longe de seu bebê, Máli. No mês que vem, passará um mês em Salvador para rodar “Timidez”, longa de Susan Kalik e Thiago Gomes que ele protagoniza. Ao mesmo tempo em que celebra a volta aos sets de filmagem, anda atormentado com a ideia de se afastar do filho.

— Estou me preparando psicologicamente. Saio só para ir ao mercado e já fico contando os minutos para voltar para casa, imagina só... Ser pai é a melhor coisa do mundo — afirma ele, exaltando a postura de Jéssica como mãe. — Ela está maravilhosa, é muito dedicada. Máli mama muito. Jéssica teve muitos sobrinhos e afilhados, quando ele nasceu, ela já sabia dar banho e tudo o mais.

No próximo dia 8, poderá ser visto nos cinemas como par romântico de Letícia Colin no filme “A porta ao lado”, de Julia Rezende.

O longa gira em torno de dois casais: um monogâmico e o outro (formado por Bárbara Paz e Túlio Starling), que vive uma relação aberta. Dan se prepara ainda para rodar a série “Segundas intenções”, sob direção de Joana Jabace, para a HBO.

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