Flip
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Entre os 44 autores convidados da 21º Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) há 19 poetas, a maior parte deles brasileiros. Pelo menos nos números, o gênero nunca foi tão prestigiado no maior evento de literatura no país. Mas o fato é visto com cautela pelo poeta, artista intermídia e pesquisador Ricardo Aleixo, 63 anos, um dos convidados da programação oficial, que fala nesta sábado (25), ao meio-dia, em uma mesa dedicada a Augusto de Campos.

Aleixo critica um foco exclusivo na identidade e no pertencimento em muitas áreas da produção poética brasileira contemporânea, que estaria deixando questões formais em segundo plano. Veterano no evento e com mais de três décadas de carreira, o autor tem um panorama privilegiado. Já atuou como editor, jurado de prêmios e editais, e transita por diversas linguagens, da perfomance à intermídia, passando pela etnopoesia. Ele tem 18 livros publicados - o último, "Diário da encruza" (Segundo Selo), é finalista do Prêmio Oceanos 2023.

O alto número de poetas na Flip é um sintoma do fortalecimento editorial do gênero?

Existe de fato um aumento significativo da presença de poetas nos eventos literários, mas isso não corresponde a uma maior presença nas livrarias. É tudo muito brumoso. Os livros que chegam às finais dos prêmios literários tem uma tiragem média de 150, 200 exemplares. Isso é uma marca pré-modernista.

Pode-se dizer ao menos que já existe um mercado para a poesia?

Não existe mercado, mas nichos do mercado. O que temos hoje é o esforço de várias gerações de poetas para refutar esse suposto lugar secundário da poesia. O que me parece mais absurdo é que a poesia é sempre tida como a prima pobre das artes da palavra, mas é reivindicada sempre como qualificadora das outras artes. Quando a gente fala das letras do Caetano e do Gil, dizemos que é "verdadeira poesia". Garrincha é o "poeta da bola".  

Qual é o espaço da poesia nos estudos literários?

A poesia não conquistou um espaço que possa ser chamado de "generoso". Ela ainda é estudada como sintoma de alguma coisa. Ou, o que é pior ainda, como uma possível cura para outras coisas. De linguagem ninguém fala. Parece-me merecedor de reflexão que haja universidades onde ela só seja estudada na pós-graduação. É um cuidado quase que profilático para manter a poesia fora da das grandes discussões.

A poesia brasileira se tornou mais política nos últimos anos?

Ela sempre foi marcada pela política. O que acontece agora é que há uma coincidência programática entre a emergência de vozes historicamente excluídas da cena. As vozes da periferia, das mulheres, que se reivindicam enquanto presença no espaço público a partir dessas demandas políticas.

Trata-se de um avanço?

Não exatamente. O que percebo é uma confusão entre militância política e militância poética. Ainda há pouca inovação para tanta reivindicação de presença. A poesia brasileira dita contemporânea é muito acomodada. E muito conservadora em termos formais, técnicos e temáticos.

Por que?

Algo que me impressiona em certas faixas de criação poética é a reivindicação de um lugar ideal que seria marcado pela "verdade" de pertencimento a determinados segmentos da sociedade. Traduzindo: as causas são inequivocamente justas, como combate ao racismo, à lgbtfobia e ao elitismo. Mas é como se a minha verdade enquanto negro, enquanto LGBT, enquanto periférico, bastasse para dizer que meu livro é bom. Então há uma recusa a um pertencimento mais geral e até cósmico, eu diria. E uma recusa da discussão estética sobre a poesia, a relação com as outras artes e outros campos de conhecimento.

São argumentos parecidos com o dos críticos do chamado "identitarismo", que é um termo por si só polêmico...

Essa ala conservadora que atenta contra o identitarismo transforma a identidade na única motivação para a existência de vozes historicamente relegada. E isso é perverso, porque confere centralidade ao conceito de identidade sem que ninguém questione isso. Da minha parte, serei sempre a favor da inserção de novas vozes, de novas dicções, de novas escritas. Só acho que o pertencimento não basta.  

Você não reivindica uma identidade?

Na minha obra não há nenhuma reivindicação de identidade. Porque eu já fui definido de forma prévia, independentemente de eu querer ser negro ou não. É assim que eu sou visto pelo policial, pelo caixa de banco, pelo garçom do restaurante, pelo sistema literário. Lidar com o conceito de identidade para mim é torná-lo problemático, caminhar com ele de modo como eu quiser e lutar para não ser lido a partir desse conceito que não serve para nada.  Porque o que me interessa é a contestação da sociedade brasileira em seus fundamentos humanos. É na forma como ela se organiza que está a perversidade.

Já chegou a ser hostilizado por seus posicionamentos nessa área?

Eu me encontro no maior momento de visibilidade e audibilidade do meu trabalho. E ainda assim, nas redes sociais, não se vê nada que confirme esse bordão "representatividade importa". Ela importa desde que legitimada pelas instâncias políticas do movimento social negro ou de qualquer outro movimento. Outro dia encontrei um artigo de mais de 20 anos em que a autora chamava minha recusa de ser identificado completamente como negro como uma "ilusão semiótica da soberania". Eu sou mal visto dos dois lados. 

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