Cultura
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Por — São Paulo

A agenda do francês Jean-Baptiste Andrea está cheia até 2025. Desde setembro, ele bate ponto em eventos literários para promover seu último romance, “Velar por ela”, que acaba de ser editado no Brasil. A maratona se intensificou a partir de novembro, quando o livro venceu o Goncourt, o troféu mais prestigioso da literatura francesa. Até janeiro, ele já tinha se apresentado em quase 90 livrarias e, exausto, decidiu focar em feiras literárias. Este semestre, o autor passou cerca de dez dias por mês na estrada. Na semana em que conversou com o GLOBO, em maio, tinha acabado de voltar do Marrocos e se preparava para uma turnê por Portugal e Espanha.

Andrea vai tirar férias durante o verão europeu, mas volta à labuta em setembro. Espera viajar no máximo seis dias por mês — a menos que surjam convites irrecusáveis (ele gostaria de vir ao Brasil). O sucesso de Andrea em eventos literários chamou a atenção do Le Monde, pois não é todo escritor francês que aprecia o contato com o público. O jornal parisiense relatou que, numa sessão de autógrafos, um leitor mais fervoroso abençoou Andrea: “Que o Altíssimo inspire sua mão”, clamou.

— Não sou uma pessoa reclusa, mas gosto de uma solidão voluntária. Esses eventos começam lá pelas oito da noite, que é quando só quero tomar uma cerveja e relaxar, mas tenho que estar no palco, cheio de energia. Mas é fantástico, cara! Os leitores abraçaram o livro, que cresceu no boca a boca — diz Andrea, que tem 53 anos e vive em Cannes. — São momentos muito preciosos, mesmo que eu tenha que responder toda vez às mesmas perguntas (risos). Sempre perguntavam por que ambientei o livro na Itália. Queria responder: “Por que não? (risos)

Futurismo

Andrea descende de italianos e espanhóis. Os antepassados de Mimo, o protagonista de “Velar por ela”, também se estabeleceram na França no começo do século XX. O pai dele morre na Primeira Guerra e o rapaz é enviado pela mãe de volta à Itália, onde ganha o apelido de “il Francese” (o francês) e vira aprendiz de um escultor pouco talentoso. Mino, na verdade, se chama Michelangelo Vitaliani. O pai, outro escultor, acreditava que o filho estava “destinado a grandes coisas”. Mimo, que sempre impressionou pela pequeníssima estatura, desembarca, ainda adolescente, numa Itália que “cheirava a pólvora”. “Eu pisava, sem saber, em pleno futurismo”, diz ele, que de fato se revela um escultor talentoso e um opositor obstinado do regime fascista de Benito Mussolini.

“Velar por ela”, no entanto, começa quando Mimo já é um idoso e está à beira da morte após viver anos recluso em um mosteiro (embora nunca tenha sido religioso). Aos poucos, o leitor descobre como ele foi parar lá e quem é que ele vela. Descrito por um professor americano como o “Marlon Brando” dos escultores, Mimo é autor de uma pietà ainda mais primorosa que a do outro Michelangelo, por emanar “uma perturbadora impressão de movimento”. Após contemplá-la, centenas de pessoas relatam ter sentido “forte emoção”, “uma espécie de opressão”, taquicardia, tontura, “uma profunda tristeza” e até excitação sexual.

Depois de uma investigação do Vaticano, a obra é retirada da vista do público (assim como seu autor). Temia-se que algum maluco tentasse destruí-la. Na vida real, o húngaro-australiano Laszlo Roth, que acreditava ser o Cristo ressurreto, atacou a marteladas a pietá do Michelangelo renascentista em 1972. No livro, autoridades eclesiásticas suspeitam que a escultura de Mimo fosse o alvo original, mas que o vândalo falhou em encontrá-la, e por isso decidem se precaver.

O poder da arte é um tema recorrente na ficção de Andrea. Seu romance anterior, “O pianista da estação”, é protagonizado por um senhor que toca Beethoven em cenários inusitados. O autor, por sua vez, toca violão e guitarra para relaxar. Ele gosta de pinturas renascentistas, música clássica e heavy metal — aprecia a banda Sepultura, mas só os primeiros álbuns, que descreve como “fantásticos” (“depois eles ficaram chatos”).

— Não sou religioso, mas acredito, de um jeito meio místico, que a arte é um portal que nos conecta a outro mundo. Se não é assim, para que serve a arte? Ela não nos alimenta, não nos protege da chuva do ou frio, mas é o que de melhor podemos fazer como seres humanos. A arte é o oposto da guerra — diz Andrea, que não promete que a arte não será o único tema de sua literatura. — Li um livro de mistério ótimo de um americano sobre Espinosa (“The Spinoza problem”, de Irvin D. Yalom). Depois vi que ele tem um livro sobre Schopenhauer que segue o mesmo formato. Você vai fazer isso com todos os filósofos, cara? Não quero me tornar esse tipo de escritor.

Na telona

Andrea já foi cineasta e trabalhou em Hollywood. Dirigiu o filme de terror “Rota de morte” (com Ray Wise, o pai de Laura Palmer em “Twin Peaks”) e “Grande coisa”, comédia satírica estrelada por David Schwimmer, o Ross de “Friends”. Mas foi na literatura que ele se encontrou.

— Meu verdadeiro eu está nos livros — diz ele.

Em “Velar por ela”, Mimo percebe que seu “talho” de escultor “não era órfão”, mas “tinha sido refinado por mil anos antes de mim e que também o seria por mil outros anos”. “Cada martelada vinha de longe e seria ouvida por muito tempo”, diz “il Francese”. O talho literário de Andrea tampouco é órfão. Philippe Claudel, jurado do Goncourt, disse que “Velar por ela” retoma a tradição da “literatura popular de alta qualidade”: romances volumosos e imaginativos, hábeis em capturar a atenção do leitor que quer se emocionar com uma boa história, mas que com frequência são preteridos pela crítica francesa em favor de obras eruditas em que o autor se debruça sobre o próprio eu.

— A literatura francesa tem muitas regras. Se você mistura sonho e realidade, não está mais na estante da alta literatura. Demorei para começar a escrever porque achava que não havia lugar para a imaginação, que o tema de um autor tinha que ser o seu divórcio, a doença que enfrentou, a vez que perdeu seus gatos.— explica Andrea. — Mas aprendi com Italo Calvino e Jorges Luis Borges que eu podia escrever sobre o que quisesse e que não há nada mais sagrado do que contar uma boa história.

Serviço:

'Velar por ela'

Autor: Jean-Baptiste Andrea. Tradução: Julia da Rosa Simões. Editora: Vestígio. Páginas: 416. Preço: R$ 79,80.

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