BRASÍLIA E RIO - Num cenário conturbado politicamente, o governo correu para apresentar a segunda etapa da reforma tributária, que altera as regras do Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas. Conforme o previsto, o projeto atualizou a tabela do IR, aumentando a faixa de isenção para R$ 2,5 mil, mas o Ministério da Economia surpreendeu ao propôr restringir a possibilidade da declaração simplificada, usada pela maioria dos contribuintes.
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Pelo texto, apenas quem recebe até R$ 40 mil por ano (o que equivale a pouco mais de R$ 3 mil mensais) poderá optar pelo desconto simplificado. Isso pode significar um aumento de impostos, principalmente para quem não tem dependentes e abate poucas despesas médicas e educacionais.
Juntas, as mudanças propostas pelo governo terão efeito arrecadatório. Entre aumento e redução de receitas, o governo prevê receber mais R$ 900 milhões em impostos em 2022. Somente com a alteração do desconto simplificado, o governo vai arrecadar mais R$ 9,98 bilhões no ano que vem.
A reforma no IR foi entregue durante a manhã de sexta-feira ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pelos ministros Paulo Guedes (Economia), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil). O texto, contudo, só foi protocolado na Casa à noite. Para entrar em vigor em 2022, ela precisa ser aprovada este ano na Câmara e no Senado.
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Na prática, as mudanças no IR representam a segunda fase da reforma tributária, cuja primeira etapa foi apresentada no ano passado e trazia apenas a unificação de PIS e Cofins.
Principal mudança do projeto, a atualização da tabela do IR ficou abaixo da promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro, quando ele chegou a dizer que a faixa de isenção poderia ser ampliada para R$ 5 mil. Na prática, todos os trabalhadores serão beneficiados, já que todas as faixas tiveram seus valores atualizados.
Porém, o efeito final pode ser menor para quem ficar de fora do novo limite da declaração simplificada.
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Tributar rendimento
No modelo simplificado há um desconto de 20% (limitado a R$ 16.154,34) sobre a soma de todos os rendimentos tributáveis. Atualmente, todas as pessoas físicas podem optar por esse modelo. A proposta do governo mantém o desconto simplificado em 20%, mas limita esse modelo a quem ganha até R$ 40 mil por ano.
Simulação feita por Eduardo Natal, advogado e mestre em Direito Tributário, Societário e Sucessões, considerando apenas a mudança de regra, mostra que um trabalhador que ganha R$ 80 mil por ano (cerca de R$ 6.150 por mês, contando 13º salário), que antes pagava R$ 1.742,40 de imposto pelo regime simplificado, se a reforma passar, terá cobrança de R$ 2.370,90 no modelo completo.
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— A limitação não invalida que as rendas acima desse montante (R$ 40 mil) possam usufruir das deduções. Os contribuintes poderão utilizar as deduções e o efeito será individual, de acordo com a dedução — defendeu o secretário da Receita Federal, José Tostes.
O governo não atualizou a tabela de deduções com despesas educacionais e com dependentes. A atualização da tabela vai reduzir a arrecadação do governo em R$ 13,5 bilhões em 2022.
Por outro lado, o projeto de lei traz de volta a tributação sobre lucros e dividendos, que são isentos desde 1995. Com isso, o governo estima que vai arrecadar mais R$ 18,5 bilhões no ano que vem.
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Além da mudança sobre lucros e dividendos, haverá tributação sobre fundos de investimento e fundos imobiliários, além do fim da dedução dos juros sobre capital próprio. As medidas vão financiar o novo Bolsa Família.
— Por 40 anos, o Brasil aumentou os impostos sobre as empresas e sobre os assalariados. E, ao contrário, não houve a coragem de tributar os rendimentos de capital. Durante décadas nós aumentamos os impostos sobre as empresas, dificultando os investimentos — afirmou Guedes, citando que a proposta também prevê a redução do IR para pessoas jurídicas.
No caso das empresas, o governo quer reduzir a alíquota de 25% para 20%, com o corte de 2,5 pontos percentuais nos próximos dois anos. Guedes destacou que os impostos serão reduzidos para 30 milhões de pessoas.
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Votação até julho
Na cerimônia de entrega da reforma, o presidente da Câmara disse que pretende votar o texto antes do recesso parlamentar. A interrupção dos trabalhos do Legislativo está marcada para começar em 17 de julho.
— Precisará de ajuste. Tabelas serão checadas, contas serão revisadas. Mas eu tenho muita confiança no plenário dessa Casa. Eu acredito na aprovação de todas as matérias neste ano, e que a gente deixe para falar de eleição em 2022 — afirmou Lira.
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O deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP) vai relatar a proposta que institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), a unificação dos tributos federais PIS e Cofins. Já o deputado Celso Sabino (PSDB-PA) será relator do projeto de lei que mexe com o IR.
Sabino, que é auditor fiscal e estuda temas tributários, avalia como benéfica a ampliação da faixa de isenção do IR para pessoa física e a redução de alíquotas para pessoa jurídica:
— Os textos chegam do governo de uma forma e costumam sair de outra. O que a gente quer fazer é um elo, criar um laço, que possa produzir o melhor texto de reforma tributária para o nosso país.
Para o economista-chefe do Banco Alfa, Luis Otavio Leal, a proposta até agora representa simplificação, mas poderia ser mais abrangente.
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— O faseamento da reforma é péssimo. O ajuste da CBS é um avanço? Sim, porque é melhor ter um tributo só em vez de dois, mas para na parte em que normalmente a discussão começa a dar problema, que é a definição de quem vai ganhar e quem vai perder — afirma, lembrando que já há pressão de setores para que haja alíquotas diferenciadas e que é isso que vai determinar uma melhoria de ambiente de negócios.
Já o advogado tributarista Luiz Gustavo Bichara avalia que a proposta tende a achatar a classe média:
— Eles poderiam ter feito uma limitação de dedutibilidade, porque é só o topo da pirâmide que se vale dessas deduções.