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Por Rennan Setti

Além da fortuna construída a seis mãos, os três homens mais ricos do Brasil têm algo mais em comum desde quarta-feira: um rombo de R$ 20 bilhões a explicar. Depois de a Americanas chocar investidores e consumidores com as “inconsistências” do seu balanço, pairam questionamentos sobre a responsabilidade de quem deu as cartas no negócio nas últimas quatro décadas.

Se o futuro da varejista é incerto, há o consenso de que pelo menos a aura da troica — formada por Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles — não passará incólume pelo segundo escândalo contábil em menos de uma década.

Sergio Rial foi veemente em negar danos à reputação do triunvirato. O executivo descobriu a bomba nos números da Americanas e pediu demissão do comando apenas nove dias após a posse, mas agora assessora seus principais acionistas.

— Vozes mais negativas dirão: “já não foi bom na ALL (de logística)” ou “não teve um problema na Heinz?” Mas esse grupo nunca deixou de reportar problemas, são capitalistas puro-sangue, aos quais tenho muito orgulho de ter me associado — disse Rial na tumultuada teleconferência de quinta-feira, poucos minutos após afirmar que a “transparência e a vontade da gestão para falar de problemas talvez não estivessem tão fluidas.”

O “problema na Heinz” é um eufemismo para a fraude que obrigou a gigante alimentícia a reconhecer uma baixa contábil de US$ 15,4 bilhões em 2019 e lhe rendeu multa de US$ 62 milhões. A companhia é controlada pelos grupos de Lemann e do americano Warren Buffett.

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“A Kraft e seus ex-executivos estão sendo responsabilizados por colocar a busca pelo corte de custos acima do cumprimento da lei”, escreveu a Securities and Exchange Commission (SEC, a xerife do mercado de capitas nos EUA) ao aplicar a multa, em 2021.

O comunicado pôs em xeque o cerne da cultura da 3G Capital, firma criada pelos três brasileiros e que controla também AB InBev e Burger King. Os cerca de 30% na Americanas são detidos por meio de outros veículos do trio, mas a filosofia é a mesma: obsessão por corte de custos, orçamentos que começam do zero a cada ano e bônus agressivos para executivos que cumprirem a cartilha. Estava claro para a SEC que incentivos errados e fraude caminharam juntos na Kraft Heinz.

Velho Oeste financeiro

Os efeitos colaterais da “Cultura 3G” machucaram lá e cá. Os papéis da Kraft valem hoje menos da metade que no pico, em 2017. Aqui, no pregão seguinte à revelação do rombo, as ações da Americanas caíram 77,3%, o maior tombo para uma ação do índice Ibovespa desde 1994.

Os prejuízos já cobram um preço à reputação do trio. Investidores fizeram denúncia à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) dizendo que “custa-nos acreditar que tal fato seria desconhecido (…) de seus acionistas controladores.” Gestores manifestaram “dois pés atrás” com a turma da 3G caso tentem levantar capital para tapar o buraco.

A companhia pegou até banqueiros de surpresa ao obter na Justiça liminar que adiou por um mês o pagamento de suas dívidas. Ao site do Valor, um deles desabafou, dizendo que “isso mostra o caráter dos caras do 3G” e jurando que não faria negócios com o trio “nunca mais.”

Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles (da esquerda para a direita): “capitalistas puro-sangue”, segundo Sergio Rial — Foto: Divulgação
Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles (da esquerda para a direita): “capitalistas puro-sangue”, segundo Sergio Rial — Foto: Divulgação

Os três homens mais ricos do Brasil não se pronunciam. Mas, na sexta-feira, o site jornalístico Capital Reset informou que eles têm dito a interlocutores que não podem ser responsabilizados pelos erros, pois estavam afastados do dia a dia da Americanas e os executivos da varejista tocavam o negócio como donos porque eram sócios.

A explicação pode até ser plausível. Mas o ocaso da Americanas não deixa de ser um sintoma simbólico do esgotamento de uma filosofia de gestão que marcou o capitalismo brasileiro nas últimas décadas.

Afinal, as Lojas Americanas foram o laboratório no qual Lemann e seus sócios introduziram no Brasil a agressividade importada dos novos manuais de gestão em voga na chamada “Corporate America”. Uma espécie de reflexo tupiniquim da supremacia de Wall Street sobre Main Street — aquela dos negócios tradicionais — no Velho Oeste financeiro dos anos Reagan.

Não à toa, a compra da varejista pelo banco de Lemann, o Garantia, em 1982, foi a primeira vez em que um banco de investimento assumiu a gestão de uma companhia no Brasil. Fundada em Niterói por quatro americanos (daí o nome) ainda em 1929 e listada na Bolsa do Rio desde 1940, as Lojas Americanas estavam suficientemente longe dos anos de glória para que Lemann farejasse uma oportunidade de ganhar muito dinheiro “mesmo se tudo desse errado.”

“Seu valor de mercado na época não chegava a US$ 30 milhões — uma modesta fração dos quase US$ 100 milhões que a empresa tinha em imóveis. Jorge Paulo fez uma conta simples. A empresa estava tão barata que, mesmo se tudo desse errado com a operação, ainda seria possível ganhar dinheiro com a venda dos imóveis”, relata a jornalista Cristiane Correa em “Sonho Grande”, best-seller que narra a trajetória do trio.

Sem dança dessa vez

Para tocar o negócio, Lemann despachou Sicupira, que chegou à combalida sede no bairro da Gamboa levando a tiracolo um auditor da Arthur Andersen — algo irônico à luz de hoje, já que a gigante da auditoria desapareceria após se envolver na fraude contábil da Enron...

Sicupira topou começar ganhando um décimo do que recebia no banco e já vinha com uma mentalidade de que “custo é como unha, tem que cortar sempre.” Chegava ainda com uma inspiração. Antes de ele assumir, Sam Walton, fundador do Walmart, aceitou recebê-lo em sua sede no Arkansas. O modelo de eficiência extrema da americana seria sua obsessão.

O apego às metas financeiras era tamanho que, certa vez, Sicupira prometeu dançar fantasiado de odalisca se a companhia atingisse certa margem de lucro. Cumpriu, ao som da bateria da Beija-Flor em plena Praça Mauá.

Voltando a 2023, o carnaval se aproxima, a Americanas está na lona e, desta vez, nenhum bilionário se dispõe a dançar com o ventre à mostra sob o sol do Porto Maravilha.

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