Com frágil base do governo no Congresso e à espera do avanço das pautas econômicas, o Ministério da Fazenda trabalha em paralelo em uma agenda extensa de microrreformas. Mais da metade das 17 medidas que compõem o pacote requer apenas ação do Executivo, como portarias ministeriais ou resolução do Conselho Monetário Nacional.
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Mas parte relevante delas ainda dependeria do aval dos parlamentares. Os temas vão desde ampliação do acesso ao crédito consignado a trabalhadores do setor privado até mudanças na política de investimento de fundos de pensão e seguradoras para incentivar o aporte de recursos em obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
As iniciativas foram divididas em quatro áreas: crédito, seguro e previdência, tributação e mercado de capitais e vêm sendo discutidas com entidades que representam bancos, fundos de pensão e o Banco Central (BC). Segundo o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, a estratégia é lançar as medidas assim que estiverem prontas:
— O PIB (Produto Interno Bruto) tem evoluído bem e surpreendido positivamente. Mas a agenda de reformas vai nos ajudar a continuar crescendo sem inflação, pois tem impacto positivo na produtividade.
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O debate ocorre no momento em que o governo enfrenta obstáculos para aprovar algumas das medidas cruciais para manter o arcabouço fiscal de pé. A equipe econômica precisa elevar receitas para garantir o déficit zero em 2024. A medida provisória que muda a tributação de incentivos por meio do ICMS, por exemplo, corre o risco de virar projeto de lei, mudança que dá mais poder à Câmara.
Migração do crédito consignado
Se a velocidade de tramitação no Congresso não está garantida, na agenda de microrreformas, a proposta de ampliação do acesso ao crédito consignado para os trabalhadores do setor privado pode sair até o fim do ano. A medida vai permitir que o trabalhador possa migrar o empréstimo para outra empresa em caso de mudança de emprego.
Hoje, isso não é possível por falta de sistema. A ideia é adotar modelo semelhante à plataforma do Desenrola Brasil, programa de renegociação de dívidas, com a participação do Ministério do Trabalho, bancos e empresas.
A alta rotatividade do mercado de trabalho formal é um entrave à ampliação do consignado pelos bancos. Para a área econômica, a medida é crucial para aumentar o acesso ao crédito mais em conta a milhões de trabalhadores. Os juros cobrados de servidores públicos e aposentados do INSS são mais em conta pela estabilidade. Segundo dados do BC, a taxa do consignado de servidores públicos estava em 24,2% ao ano em agosto; de beneficiários do INSS, em 24,8%, e de trabalhadores do setor privado, em 38,5%.
O governo quer simplificar e unificar a política de investimentos dos fundos de previdência e seguradoras — donos de patrimônio de R$ 3 trilhões —, para direcionar mais recursos à infraestrutura, sobretudo a projetos do PAC. Além de alterar normas contábeis, a equipe econômica quer ajustar a legislação, que privilegia aplicações em títulos públicos em detrimento de papéis emitidos pelo setor privado.
A ideia é estender às empresas que participarem do PAC a isenção tributária concedida a pessoas físicas em debêntures de infraestrutura. Dessa forma, elas poderão pagar melhor remuneração aos fundos de previdência, que investem mirando o longo prazo.
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Hoje, 65% dos recursos do setor estão aplicados em títulos públicos. Apesar de haver autorização para investimentos em título privado de até 80%, o percentual não chega a 10% pelos riscos envolvidos.
O governo quer estimular um mecanismo chamado de anuidade, que dá aos trabalhadores que poupam para a aposentadoria um benefício “vitalício”, independentemente das flutuações na economia. O risco seria transferido a seguradoras, o que a legislação ainda não permite. O mercado é bastante desenvolvido em outros países, disse o secretário. Esta é uma das ações que dependem de aval do Congresso.
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Ele destacou a importância de acelerar a recuperação de crédito, um dos itens que o governo pretende avançar para reduzir o custo dos financiamentos. Uma das dificuldades é a morosidade do Judiciário. A proposta prevê a criação da figura do agente de execução, que poderá ser exercida por cartórios ou advogados. Eles irão atrás do devedor e do seu patrimônio. O processo seria fiscalizado pelo Judiciário.
— É prática internacional que deu muito certo em Portugal — disse Barbosa Pinto.
Consta ainda na agenda a redução da burocracia e do custo das emissões de papéis, para estimular o mercado de capitais e permitir que pessoas físicas e empresas captem recursos diretamente dos credores.
— A gente está fazendo uma revolução no Brasil para facilitar e reduzir o custo do crédito. A gente não vai precisar de mais um Desenrola — disse o secretário.
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Segundo ele, o pacote é formado por complementos a projetos em fase final de tramitação no Congresso, como o marco das garantias, que permite oferecer o mesmo imóvel como garantia de novo empréstimo, desde que 80% do financiamento tenha sido pago. Ele foi enviado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e encampado pelo atual governo.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) participa das discussões. “A Febraban considera positivo o conjunto de medidas pelo Ministério da Fazenda voltadas para solução de problemas observados no mercado de crédito brasileiro”, diz em nota, salientando que algumas fazem parte de sugestões da entidade e do setor bancário e são exemplo do potencial de parceria entre setores público e privado.
Agenda de simplificação
Para ampliar o consignado, a Febraban sugere que o governo use o eSocial para reter o valor das parcelas a serem repassadas aos bancos credores, a partir de valores pagos ao trabalhador pelas empresas. Hoje, as empresas retêm a parcela na folha e repassam aos bancos. “A inciativa possibilita a democratização do crédito consignado, que poderia ser estendido a trabalhadores domésticos”, afirmou.
O presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), Jarbas Antonio de Biagi, disse que com a queda dos juros é necessário ter alternativas de investimento para que os recursos acumulados pelos participantes continuem rendendo:
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— Estamos discutindo a simplificação e maior diversificação dos investimentos. Queremos revisitar os limites e poder voltar a investir em imóvel físico, como certificado de recebíveis imobiliários.
Em nota, a Associação Brasileira das Entidades de Mercado Financeiro e de Capitais (Anbima) defendeu a necessidade de aprimorar marcos reguladores. E cita a facilitação da entrada do investidor estrangeiro, com ajustes no cadastro que reduzem a burocracia envolvida.
O que está incluído no pacote
Crédito
- Crédito privado: ampliar o acesso dos trabalhadores do setor privado ao empréstimo consignado, com juros mais baixos
- Recuperação de crédito: criar um sistema de cobrança extrajudicial, com a figura do agente executor, que pode ser cartório ou advogado, para ir atrás do devedor e seu patrimônio
- Letra Imobiliária Garantida (LIG) no exterior: permitir a emissão de títulos do setor no exterior
- Identidade digital e combate a fraudes: fortalecer o combate a fraudes de forma a aumentar a confiança do público em um sistema financeiro inovador à medida em que os serviços migram para plataformas digitais. Criar identidade digital única e a expansão dos serviços do gov.br
- Negócio fiduciário: incluir na legislação o negócio fiduciário para trazer maior flexibilidade ao sistema econômico
- Modernização de instrumentos de crédito: ampliar os instrumentos financeiros, como assinaturas eletrônicas, para impulsionar negócios para investidores e consumidores
Previdência
- Política de Investimentos: simplificar e padronizar a política de investimentos de fundos previdenciários e seguradoras para direcionar recursos a obras de infraestrutura (PAC)
- Mercado de anuidades: criar instrumento que garanta aos trabalhadores que poupam para aposentadoria um provento vitalício, livre de flutuações econômicas
- Seguro garantia em licitações: ajustar as regras para dar mais segurança a obras públicas, principalmente de infraestrutura
- Seguro rural: reforçar o sistema de proteção da agroindústria para dar maior segurança e estabilidade na produção de alimentos
- Regulamentação do acesso ao credito com recursos previdenciários
Mercado de Capitais
- Patrimônio de afetação: fortalecer a segregação patrimonial de incorporação imobiliária para dar mais segurança ao consumidor
- Dívidas privadas: facilitar a emissão de títulos privados, reduzindo a dependência de financiamentos bancários
- Novos instrumentos financeiros: criar instrumentos alinhados à agenda ESG
Tributação
- Hedge no exterior: facilitar a realização de operações de hedge (proteção), reduzindo distorções tributárias
- Cadastro de investidor estrangeiro: ampliar horizontes de investimentos, com a retirada de entraves a não residentes, facilitando o cadastramento de estrangeiros
- Produtos financeiros: melhorar a tributação de Exchange Traded Funds (ETFs)