Um governo que tem maioria absoluta no Parlamento, orçamento aprovado e bilhões de ajuda da União Europeia para relançar a economia voa em céu de brigadeiro. Certo? Não em Portugal neste momento, onde uma crise interna desembarcou no Palácio São Bento após o caos nos aeroportos e quase custou o cargo de um poderoso ministro.
Longas filas na imigração, falta de mão de obra, voos cancelados e visível sobrecarga de passageiros e aviões realçaram os problemas de esgotamento da capacidade do aeroporto de Lisboa neste início de verão europeu.
Pressionado pelo cenário desfavorável ao turismo, importante motor econômico, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, anunciou e publicou na quarta-feira um despacho para a construção de um novo aeroporto até 2035, em Alcochete, a cerca de 30km da capital. Tudo ótimo, boa ideia. Só faltou combinar com o primeiro-ministro, António Costa.
Em visita oficial a Madri para encontro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Costa jantava na quarta-feira à noite com chefes de Estado no Museu do Prado enquanto seu ministro falava ao vivo na TV sobre o aeroporto, dando o plano como certo, com detalhes. A imprensa portuguesa informou que Costa foi surpreendido. Logo na manhã de quinta-feira, Costa mandou o ministro revogar o despacho. Ambientalistas comemoraram, assim como a oposição.
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Desautorizado, Santos criou um problema desnecessário ao se precipitar. Deu armas para a opositores pedirem a sua demissão e expôs o erro primário da falta de comunicação entre gabinetes do governo. Um problema que Costa já havia detectado, tanto que contratou um jornalista para ser diretor de comunicação e centralizar a estratégia de informação dos ministérios.
Assim que voltou da Espanha, Costa se reuniu no Palácio São Bento, residência oficial do premier, com Santos. Havia a expectativa que fosse demitido ou pedisse demissão. Mas ele seguiu no cargo.
— É uma falha relevante que assumo, mas que obviamente não mancha o trabalho longo — disse Santos, creditando a crise ao ruído de comunicação governamental, durante um pronunciamento considerado cômico por comentaristas dos principais veículos de comunicação.
O ministro já havia entrado em rota de colisão com o chefe à época da reestruturação da TAP. Mas sempre foi apontado como provável sucessor de Costa na liderança do Partido Socialista (PS). Neste novo governo, perdeu espaço para duas ministras e estrelas políticas: Mariana Vieira da Silva, da Presidência e número dois no comando, e Ana Catarina Mendes, dos Assuntos Parlamentares e responsável pela articulação com os demais partidos.
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A diplomacia que sobra nas ministras falta a Santos. Relegou a oposição aos status de espectadora no caso de Alcochete, algo que nunca foi a vontade de Costa. O primeiro-ministro sabe da necessidade da criação de um novo aeroporto em Lisboa, a discussão é antiga, mas o governante quer ouvir democraticamente os partidos antes de o plano decolar.
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