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Por Bolívar Torres — Rio de Janeiro

O escritor Paulo Lins sempre criou personagens marcantes. Assim como o clássico “Cidade de Deus”, sua mais recente ficção, “A construção de um novo sol”, traz uma galeria de figuras carismáticas. O GLOBO convidou o autor para responder uma entrevista como se fosse Chico, um dos personagens do novo livro, que retrata a formação da comunidade Mãe Luiza, em Natal (RN).

Discreto e estudioso, Chico é o oposto de seu irmão, Fefedo, que se torna um dos mais temidos traficantes locais. Hoje, Chico é “morador” do bairro de Santa Teresa, no Rio. Trabalhou como frentista, formou-se em Letras e agora atua como professor da rede pública. Ele deixou Mãe Luiza, mas a memória do lugar permanece nele.

Chico, sua família ajudou a criar Mãe Luiza, onde você cresceu. Como se sente tendo testemunhado a formação de uma comunidade?

O lugar onde se nasce é o centro do mundo, onde se aprende a conversar com os animais, com os vegetais e até mesmo com as pedras, com seu chão ainda que seco por falta de chuva, e por isso tive de sair de lá. Não tinha água, mas ali não tinha a alma de meus antepassados me dando proteção. Mãe Luiza não era o meu mundo. Eram várias pessoas na miséria, num lugar insalubre onde a violência era tão natural como os rios que secaram em minha terra. Na minha bagagem, trago a força que a pobreza me deu para lutar por um mundo com mais equidade social e racial.

O que Mãe Luiza tem de única — e o que tem de igual a tantas outras comunidades do país?

As comunidades, favelas, têm em comum o desprezo, o descaso das autoridades, o preconceito e o racismo das classes mais altas financeiramente, que são de pessoas brancas que tiveram regalias do governo antes e depois do período escravocrata. A maioria das favelas do Brasil é formada por pessoas descendentes de escravizados e escravizadas e de retirantes da seca.

Quais são as suas melhores lembranças de lá? E as piores?

A posição mais confortável que um ser humano pode se encontrar é quando está ajudando. E a outra é quando está sendo ajudado. Então, minha melhor lembrança é a ajuda que minha família recebeu da Mãe Luiza assim que chegamos lá. E as piores lembranças são essas que continuam presentes nesse país racista, preconceituoso, com a falta de equidade social e racial.

Fefedo, seu irmão que virou traficante, não queria trabalhar para os ricos. Era a maneira que ele tinha de buscar a justiça social? Ou muita gente romantiza isso?

Uma pessoa entra para esse tipo de crime ainda criança. Meu irmão, quando jovem, já tinha noção da desigualdade social mesmo sem ter leitura. Nós passamos fome, não tínhamos amparo do governo diante da seca. Ele sabia por que os ricos eram ricos e os pobres eram pobres. Com ele, a revolta, diante da fome, falou mais alto do que a alienação que muita gente explorada tem diante das injustiças sociais.

Desde que você saiu da Mãe Luiza, a comunidade se transformou. É um exemplo de projeto social e solidariedade. Qual é o segredo?

As pessoas só tiveram as coisas básicas para se viver em paz: alimentação, saúde, educação, moradia e água. Se em nosso país esses direitos humanos fossem normais, como deveriam ser, não haveria a violência que tomou conta daquele lugar por tanto tempo. As pessoas são iguais. Se colocarmos as classes médias e altas constituídas de descendentes de europeus nas condições que as pessoas das classes baixas vivem, a violência seria igual. Não tem como fugir disso.

Como vê as possibilidades de ascensão social no país?

Ainda é muito difícil ascender socialmente. Precisamos de uma política que faça o que Padre Sabino e a Fundação Ameropa fizeram em Mãe Luiza. O exemplo está dado. Os governos que não seguirem esse exemplo é por pura omissão, racismo, descaso, preconceito, ruindade e má-fé.

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