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Por Ricardo Ferreira — Rio de Janeiro

Não que ele necessariamente se preocupe. Mas, para Fausto Fawcett, vivemos todos uma “avalanche apocalíptica”. O caos, a barbárie e a “insignificância da gente” que estão aí — “sempre estiveram”, ele reforça por telefone — são temas do livro que Fawcett lançou ontem, em noite de autógrafos na livraria Travessa, no Leblon. “Pesadelo ambicioso” (Numa Editora) é uma coletânea. Tem textos apresentados pelo autor no sarau literário Trovadores do Miocárdio, em São Paulo; trechos de sua versão para “Salomé”, de Oscar Wilde, encenada pelo grupo Companhia Teatro do Urubu de Curitiba; e de “Cachorrada doentia”, show que Fausto empreendeu com sua banda Robôs Efêmeros, em 2018.

Aos 65 anos, sempre em Copacabana, bairro que lhe inspirou ao longo das últimas décadas, Fausto Fawcett explica que os “distúrbios emocionais, uma praga contemporânea”, são a unidade que amarra o livro, o link entre todos os textos. Não demonstra, no entanto, qualquer pesar. Fala mais como quem observa, com certo distanciamento.

— O assunto protagonista do livro é o clima, digamos, doentio, histérico, de graus de demência variados, que estamos vivendo muito antes de 2019. Há tempos que a gente vem lidando com uma predominância desses distúrbios emocionais. Esperou-se muito pelo bug digital, mas experimentamos o bug mental. Foram vários colapsos, várias paralisações. A mais flagrante foi a pandemia — diz Fawcett, que buscou inspiração numa instalação do grupo Chelpa Ferro para batizar o novo livro.

Irmão de ‘Básico instinto’

Quase como numa profecia, Fawcett já falava desta “crise geral” em seu livro/álbum “Básico instinto”, que completa 30 anos em 2023. A faixa-título, dos versos “teu corpo tua alma/ quer sucesso que te leve/ muito além dessa vidinha”, parece mais atual do que nunca. Por isso, o autor esclarece, “Pesadelo ambicioso” é um “primo-irmão” de “Básico instinto”. E, de lá para cá, os recursos tecnológicos só acentuaram nossas questões flagrantes, ele diz.

— Estamos vivendo uma fricção científica. Estamos friccionando nossos corpos em objetos tecnológicos, cada vez mais. O mundo já foi religioso, político e agora é predominantemente tecnológico — diz. — Isso foi só exacerbado nesses 30 anos. Para cada minuto de civilização, foram cinco de barbárie. O resultado não é só violência, mas evasão, desencontros com o mundo, inércias. E que geram desamparo, pois a maioria das pessoas não tem veia mística pulsando pra se ligar na dissolução do ego. Então, queiram ou não queiram, vão receber sinais. Passamos do ponto e agora temos que lidar com esse “limboceno”. Todos os caminhos de alucinação do progresso nos levaram a transformar o mundo num fenômeno extremo, como se as pessoas também quisessem se transformar em fenômenos extremos, doa a quem doer, de qualquer forma.

Além dos textos, as 368 páginas de “Pesadelo ambicioso” também carregam ilustrações e colagens feitas pelo próprio autor, com colaboração de Sônia Barreto, que assina a programação visual do livro. A parte gráfica ajuda a dar o tom meio underground do projeto, bem ao estilo do seu criador — “a estética tem muito a ver com jeitão com que eu escrevo”, ele observa.

Voz da contracultura carioca dos anos 1980 e 1990 e habitué dos submundos de Copacabana, Fausto Fawcett ganhou projeção com “Kátia Flávia: a godiva do Irajá”, parceria com Carlos Laufer de 1987 e que anos depois foi regravada por Fernanda Abreu. Fawcett emplacaria outras canções, como “Rio 40°”, que também virou hit na voz de Fernanda, e “Balada do amor inabalável”, sucesso do Skank já nos anos 2000.

A carreira na música, no entanto, foi deixada de lado. Depois de trabalho que levou o nome do grupo, “Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros” (1987), e “Império dos sentidos” (1989), seu último disco foi justamente “Básico instinto”, que completa três décadas. Na época, Gisele Rosa, Luciana Brites, Katia Bronstein, Regininha Poltergeist e Marinara Costa, musas de Fawcett e dançarinas da turnê, fizeram sucesso estrondoso e ajudaram a alavancar o disco, alçado hoje ao status de cult:

— Resolvi dar um gás na literatura. Não só escrever livros, mas textos para o teatro também. Sempre tive um foco teatral, performático. Isso não me impediu, no entanto, de seguir fazendo show. Paradoxalmente, o último disco foi “Básico instinto”. Um underground que virou mainstream muito por causa das meninas, mas tinha toda uma áurea própria, uma concepção.

Show a caminho

No fim do ano passado, o escritor teve a vida e a obra revisitadas no documentário “Fausto Fawcett na cabeça”, de Victor Lopes, que teve première em outubro, no Festival do Rio. O longa costura a trajetória do poeta, imagens de arquivo e depoimentos de nomes como Fernanda Abreu e Carlos Laufer, além das próprias “meninas”.

— O filme tem todo um documento dos anos 1980 e 90, mas tem essa ponte com a atualidade. Como obra cinematográfica, é atraente, mesmo pra pessoa que não sabe quem eu sou — opina.

Agora, Fausto Fawcett prepara um novo show que deve passar a limpo sua trajetória na música, sempre atravessada pela faceta de escritor, que acabou predominando. O espetáculo foi batizado como “Do fundo do poço vem barulho de festa”.

— Vai ser um show, digamos, normal. Umas 11 ou 12 músicas, algumas conhecidas como “Kátia Flávia”, “Rio 40°” e “Balada do amor inabalável”, outras dos três primeiros discos, mas também homenagens a David Bowie, Rolling Stones etc. Vai ser um baile da Ilha Fiscal — brinca.

‘Pesadelo ambicioso’. Autor: Fausto Fawcett. Editora: Numa. Páginas: 368. Preço: R$ 78.

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