Rodrigo Campos nasceu em 1977, ano em que Beth Carvalho conheceu as rodas de samba do Cacique de Ramos. No ano seguinte, ela levou aquele ambiente e instrumentos inventados ou adaptados (repique de mão, tantã, banjo com braço de cavaquinho) para o disco “De pé no chão”.
Ainda menino, Rodrigo viu em São Mateus, bairro da periferia de São Paulo onde nasceu e cresceu, os sons de Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho e outros desdobramentos do Cacique predominarem nas rodas do lugar.
— O pagode é a minha principal influência, a memória afetiva. A gente podia falar do pagode do Cacique como fala da Tropicália, da bossa nova, da Semana de 1922. Não tem o discurso intelectual de que a mídia às vezes precisa, mas também é um manifesto estético forte — afirma Rodrigo.
Ao dar a seu novo álbum (o décimo, se entrarem na conta os coletivos, sendo o primeiro o seu fundamental “São Mateus não é um lugar assim tão longe”) o título de “Pagode novo”, Rodrigo diz brincar com os nomes de movimentos que procuram inaugurar formas de se criar, como o Cinema Novo, a Nouvelle Vague e o Neorrealismo italiano. Ele não quer romper com a herança do Cacique, mas usá-la com liberdade.
— Na minha opinião, o pagode tem um cerne um pouco tropicalista, de trazer influências, como um instrumento americano, o banjo, e um do bolero, o tantã. Jorge Aragão, Almir Guineto e outros herdaram um pouco da bossa nova na harmonia, mas sem perder o chão do samba. No disco, o que me interessa é essa fusão de elementos — conta.
‘Jeito budista’
Das dez faixas, a que resume as ideias é “Meu samba quer se dissolver”, de versos como “Quero fazer samba/ Como se fosse voar/ Como se houvesse sentido/ Como se fosse possível/ A morte enganar”.
— Eu considero essa música um manifesto não só estético, mas filosófico, do sambista como filósofo do povo. Quando a letra diz que o samba quer se dissolver, ele está se dissolvendo mesmo. No final sobram uns reverbes e o agogô. De um jeito um pouco budista, é a gente se transformando em partes — explica.
Rodrigo faz parte de uma turma de artistas de São Paulo que, há duas décadas, produz inovações sem tirar totalmente o olho das tradições. Combinando-se em várias formações, Rodrigo, Juçara Marçal, Kiko Dinucci, Romulo Fróes, Marcelo Cabral e Thiago França criaram grupos como o Metá Metá e o Passo Torto e álbuns como “Encarnado”, “Rastilho” e “Delta Estácio Blues”. Juntamente com Guilherme Kastrup, realizaram dois discos históricos de Elza Soares: “A mulher do fim do mundo” e “Deus é mulher”.
No momento, eles se chamam de Encruza. Farão um show em 22 de abril no Circo Voador.
— O Rodrigo faz melodias cheias de lirismo, muito suingadas e boas de se cantar — diz Juçara, a voz principal da turma. — As letras são capazes de, numa única imagem, sintetizar um tanto de coisas que sacodem nossa alma. É de uma simplicidade e uma agudeza impressionantes. O prosaico e o profundo coabitam sambando em suas canções.
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Em “Pagode novo”, Rodrigo experimentou tocar quase todos os instrumentos e gravá-los em casa num aplicativo de celular, o Garage Band. O desejo já existia, e a pandemia acelerou as coisas. Depois, tudo foi turbinado em estúdio pelo engenheiro de som Cacá Lima.
— Quem assume esse risco está procurando o novo. Um sambista gravar um disco no Garage Band é uma novidade grande — assinala. — Eu me considero um sambista. Em São Paulo me chamam de sambista, no Rio não.
Para ele, é compreensível que no Rio se fale mais em preservação do samba, porque é onde a história foi criada. Em São Paulo, “já chega como matéria-prima, não como pedra fundadora”.
— Os paulistas tentam fazer samba e acabam errando. E esse erro é a estética do samba paulista — afirma. — Adoniran (Barbosa) tenta fazer samba, parece que sai errado, mas essa é a estética. Os sambas do (Paulo) Vanzolini não se resolvem em quatro ou oito compassos, como é comum, mas em cinco, em dez. É errado do ponto de vista musical, mas é o que cria a nossa estética aqui em São Paulo. Estou mais ligado a essa estética do erro do que da preservação. Por isso, aqui o samba quer se dissolver e aí quer agonizar mas não morrer.
João Gilberto
Rodrigo integrou grupos do que chama de “pagode pop”. Ou seja, a versão paulista do legado do Cacique. Foram referências suas o Exaltasamba e o Katinguelê, por exemplo. Na juventude, passou a estudar Cartola, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, e sua visão se ampliou.
Neste ano, enfrentará um clássico: o “álbum branco” de João Gilberto, que está completando 50 anos. Rodrigo vem ensaiando o repertório com a cantora Laura Lavieri.
O desejo de fugir do convencional também está nas fotos de divulgação. A fotógrafa Louie Martins sugeriu pintar sua mão de azul para quebrar a formalidade.