Cultura
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Por Gustavo Cunha — Rio de Janeiro

Para muitos, a libido está lá no pé. O jovem carioca Fernando (nome fictício), de 24 anos, entendeu isso com total clareza nos primeiros minutos de 2022. Em meio a uma festa de réveillon, observou dois amigos empolgadíssimos fotografarem, com o celular, os membros inferiores descalços. Ouviu, depois, a dupla celebrar: “Começamos o ano com R$ 6 mil na conta”. Não se tratava de brincadeira. Ambos haviam vendido on-line os tais cliques dos pés. A explicação era objetiva, como os rapazes reforçaram diante do colega: há quem só pense naquilo — sim, em pés — e pague quantias vultosas por imagens de tornozelos, calcanhares, solas e dedões.

Fetiche antigo e comum sobretudo entre homens, como destacam psiquiatras e psicanalistas, a podolatria — literalmente “adoração por pés” em grego — parece ter saído do armário (ou dos sapatos) de uns tempos para cá. Nesta semana, a cantora Anitta desamarrou tabus relacionados ao assunto depois de revelar que o namorado, o ator italiano Simone Sussina, beija, lambe e faz otras cositas más com os pés da brasileira, como a própria sugeriu.

Assim acontecia, na ficção, entre Maria Bruaca (interpretada por Isabel Teixeira) e Levi (Leandro Lima), na última versão da novela “Pantanal” (2022). E também entre a rainha Alicent Hightower (Olivia Cooke) e o lorde Larys Strong (Gavin Sopkes), na série da HBO Max “A casa do dragão” (2022), spin-off de “Game of thrones”. Isso sem falar em cenas de podolatria explícita dos filmes de Quentin Tarantino, fã de carteirinha.

Simone Susinna posta beijando o pé de Anitta — Foto: Reprodução/Instagram
Simone Susinna posta beijando o pé de Anitta — Foto: Reprodução/Instagram

R$ 50 mil num ano

Compridos ou pequenos, finos ou grossos, limpos ou “chulezentos”, os pés andam na boca do povo. Nas plataformas de conteúdo erótico, como o OnlyFans, uma das preferências atualmente em alta é o “pack do pezinho”. Consiste num conjunto de fotos e vídeos de pés desnudados. De olho na oportunidade, muita gente — anônimos, celebridades, ex-BBBs — tem feito este novo teste do pezinho. Em vez de exporem bumbuns, seios e genitálias, entram de pé direito e esquerdo na história. E lucram com isso.

— É um universo meio bizarro e louco — pondera o jovem Fernando, citado no início deste texto, que faturou cerca de R$ 50 mil ao longo do último ano, após embarcar na onda dos amigos.

Profissional de Tecnologia da Informação, o rapaz hoje vive na Austrália, com parte da economia que acumulou com a podolatria. Em 2022, ele criou uma conta no Twitter e a abasteceu com imagens variadas dos seus pés, ressaltando que era heterossexual e que só estava em busca de dinheiro. Sem esconder o rosto, Fernando surgia nas fotos sempre vestido (“Me recuso a ficar pelado”, avisa), levantando as pernas, exibindo a sola enquanto mostrava o dedo médio...

Era a isca. Logo, dezenas de podólatras — todos homens homossexuais, a maioria de Estados Unidos, Canadá e Europa — passaram a requisitar conteúdo exclusivo e sob demanda para Fernando. Os pedidos eram inusitados. Houve quem solicitasse que ele se filmasse esmagando um inseto. Ou que fingisse que era um gigante pisoteando a maquete de uma cidade. Um senhor que vive apenas com o cachorro, isolado numa fazenda na Carolina do Norte, nos EUA, desembolsou US$ 5 mil para que Fernando aparecesse numa chamada de vídeo, por Skype, para ambos conversarem e... mostrarem os pés.

— Paguei meu intercâmbio, treinei meu inglês e consegui fazer uma boa renda extra. Mas não quero mais. É muita coisa estranha... Uma vez, ganhei dinheiro para mostrar o pé e ficar rindo de um cara vestido de galinha que gritava “pó-pó-pó” para mim — diz o jovem, que preferiu manter a identidade preservada em respeito aos pais, que nunca o apoiaram nessa atividade. — Meus pais só sabem que não tenho o menor tesão em pé. Aliás, acho ridículo! Não vejo explicação.

Outros tempos

Podolatria: adoração por pés — Foto: Unsplash/How Soon Ngu
Podolatria: adoração por pés — Foto: Unsplash/How Soon Ngu

Há apenas cinco anos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) deixou de classificar a podolatria como uma doença — ou como um “transtorno parafílico”, na expressão médica. A teoria clássica da psicanálise associa a recorrência do fetiche à infância, período em que crianças estão sujeitas a desenvolver, ainda que inconscientemente, uma obsessão por pés, parte do corpo dos adultos mais facilmente visível por elas.

Uma pesquisa da Universidade de Bolonha entre participantes de comunidades on-line voltadas ao sexo mostra que podólatras representam pelo menos 30% dos fetichistas. Nos últimos três anos, o número cresceu, como avaliam especialistas. Coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da Universidade de São Paulo, a USP, a psiquiatra Carmita Abdo crê que, da pandemia para cá, a popularização de práticas de sexo virtual levou mais pessoas a se abrirem para novas possibilidades na cama (ou nas telas). Os estigmas, no entanto, persistem.

— Ainda é difícil alguém falar abertamente que tem fetiche por pés — afirma a psiquiatra, que atende casos parecidos de podólatras em seu consultório. — Hoje, a podolatria só é considerada um transtorno quando restringe a vida sexual de alguém. Muitos homens com essa condição só conseguem finalizar o ato sexual ejaculando sobre o pé de seu parceiro ou parceira. A situação é constrangedora às vezes. Para a maioria, resta então a internet, pela dificuldade de resolver a questão presencialmente.

Performance de podolatria — Foto: André Coelho/Agência O Globo
Performance de podolatria — Foto: André Coelho/Agência O Globo

Criada em abril de 2020 — não à toa num dos momentos críticos da crise sanitária provocada pela Covid, que impôs o isolamento social —, a plataforma FeetFinder, a primeira especialmente dedicada a podólatras, cresce exponencialmente. Fundador e diretor executivo da marca, Patrick Nielson diz ao GLOBO que a rede social voltada para a compra e venda de conteúdo de podolatria já alcançou a marca de milhões de inscritos.

— Temos grandes planos para continuar crescendo, e não vislumbramos ainda nenhuma estabilidade em nossos números — avalia o americano. — E os brasileiros estão, de longe, entre os nossos principais usuários.

Festa temática

Fetichistas ouvidos pelo GLOBO indicam que, quase sempre, a palavra “podolatria” tem a companhia do termo “submissão”. Entre heterossexuais, a posição mais comum é a seguinte: aos pés de mulheres (chamadas de “rainhas”), os homens (ou “podos”) se entregam por inteiro — e são dominados por elas, com prazer.

No bar fetichista Dominatrix Augusta, em São Paulo, podólatras se reúnem mensalmente para uma festa temática. A prática é liberada no local, com regras detalhadas na entrada. Numa sala, enquanto as “rainhas” realizam performances — e são idolatradas —, sujeitos chupam os pés de moças; rapazes comem bolos esmagados por sapatos; senhores deitados formam tapetes humanos, onde desfilam saltos altos femininos; rapazes entregam seus genitais aos chutes de mulheres... Acredite: tudo acontece ao mesmo tempo.

— Aqui são 500 tons de cinza — graceja Fernanda Benine, uma das proprietárias do estabelecimento, há oito anos em atividade. — Não entendia nada desse universo. Mas, depois de meses trabalhando com isso, passei a ter outra percepção sobre as várias formas de prazer. Hoje, se vou num lugar “baunilha” (expressão do meio para designar quem não é fetichista), já acho entediante. E olha que sou “baunilha” (risos). Muitas pessoas associam podolatria a loucura e putaria. E não é nada disso! No bar, prezamos pelo respeito, pela consensualidade. A gente faz até workshops e eventos educativos.

Uma das salas do Dominatrix Augusta, bar fetichista em São Paulo — Foto: Divulgação
Uma das salas do Dominatrix Augusta, bar fetichista em São Paulo — Foto: Divulgação

Dominatrix profissional há quase uma década, Mistress Charlotte, paulista de 36 anos que não revela o nome de batismo, atua como uma espécie de consultora para quem tem receio de colocar os pés a tapa (“Muitos casais têm medo de introduzir o fetiche, achando que a relação vai mudar”, ela explica). Charlotte faz de tudo. Oferece cursos, vende vídeos e fotos, realiza mentoria para aspirantes a dominatrix e realiza shows.

— Para ter uma renda legal, é preciso disciplina. Não basta fazer meia dúzia de fotos do pé e falar: “Agora vou viver disso”. Tem que entender como funciona a cabeça dos podólatras — conta ela, que normalmente cobra entre R$ 100 e R$ 3 mil por pacotes de conteúdos exclusivos. — Como já sou conhecida, não aceito todos os pedidos. Vou avaliando, sabe?

Mistress Charlotte em ação: dominatrix realiza performances de podolatria em casa especializada, em São Paulo — Foto: Arquivo pessoal
Mistress Charlotte em ação: dominatrix realiza performances de podolatria em casa especializada, em São Paulo — Foto: Arquivo pessoal

Conhecida pela alcunha de Mulher Melão, a modelo Renata Frisson — dona de um das contas no OnlyFans mais acessadas no país — coloca logo o pé na porta quando o assunto é o tal fetiche pelas extremidades dos membros inferiores. Ao telefone, ela avisa que acabou de sair do banho e está enrolada numa toalha. E que assim permanecerá até encerrar a ligação, pois gravará um conteúdo sensual na sequência. Ela gosta de ficar pelada. Por inteiro.

— Quer a verdade? Tem uma galera usando a podolatria como desculpa para abrir perfis em plataformas adultas. São pessoas que não querem mostrar o corpo todo, e aí apenas expõem os pés. Mas pode ter certeza: desse jeito, ganha-se pouco dinheiro — opina. — Tem homens que gostam de pé? Tem, claro! Mas a maioria quer ver o pé junto de outras coisas. É preciso pôr o “borogodó” para jogo. O que vale é a safadeza. Isso não muda.

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