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Por Ana Rosa Alves

Srdjan Djokovic, pai do tenista sérvio Novak Djokovic, foi filmado na quarta-feira no Australian Open ao lado de fãs que carregavam bandeiras da Rússia estampadas com o rosto do presidente Vladimir Putin e repetindo a frase “longa vida aos russos”. O episódio põe os holofotes na proximidade histórica entre Moscou e Belgrado, que joga um xadrez político-diplomático cuja complexidade aumentou com a eclosão da guerra na Ucrânia no ano passado.

O pai do multicampeão Djokovic é visto na gravação aparentemente dizendo “zivjeli Russiyani” no lado de fora da Arena Rod Laver, em Melbourne. Em sérvio e croata, “zivjeli” é uma saudação que pode ser traduzida como “longa vida” e “russiyani” significa “cidadãos russos”. Srdjan também posou ao lado de um homem que carregava a bandeira com o rosto de Putin enquanto vestia uma camisa com a letra Z, símbolo da campanha militar russa.

Na gravação, o fã faz ainda uma saudação a Alexander Zaldostanov, líder da gangue de motociclistas Lobisomens da Noite, amigo de Putin e alvo de sanções da União Europeia (UE). Por causa da repercussão do caso, o Srdjan anunciou que não assistiria pessoalmente à semifinal do Aberto da Austrália, vencida nesta sexta-feira por Djokovic, que disputará no domingo a final contra o grego Stefanos Tsitsipas.

O embaixador da Ucrânia na Austrália, Vasyl Myroshnychenko, pediu que o Aberto da Austrália retire as credenciais do pai e que o tenista se desculpe pessoalmente e esclareça sua posição sobre a guerra na Ucrânia.

Para os sérvios mais nacionalistas, a invasão da Ucrânia e a retórica por trás dela alimenta a esperança de reincorporação do Kosovo, região de maioria albanesa que declarou sua independência em 2008.

Noventa e sete países reconhecem o território como soberano, grupo que exclui Rússia e Sérvia, aliados de longa data com suas maiorias eslavas e cristãs ortodoxas. Segundo uma pesquisa feita em 22 países em meados de 2022 pela Open Society Foundation e pelo Datapraxis, 45% dos sérvios creem que o imbróglio kosovar é o aspecto mais importante de sua política externa, e 52% creem que a independência não deve ser reconhecida.

Parte disso deve-se a um ressentimento da maneira como a perda aconteceu: no fim dos anos 1990, grupos de albaneses étnicos começaram uma insurgência no Kosovo, que integrava o território sérvio. Após o desfecho inconclusivo de negociações, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) deu início a ataques aéreos contra posições sérvias na frente de guerra e contra cidades sérvias.

Era um dos capítulos derradeiros do colapso da Iugoslávia, cujas guerras de independência se estenderam por toda aquela década. As reivindicações das repúblicas de maior autonomia em relação a Belgrado esbarraram na resistência da Sérvia, governada pelo nacionalista Slobodan Milosevic, um aliado do Kremlin.

Se nos primeiros conflitos o caos do colapso soviético dificultava ajuda mais contundente de Moscou, no Kosovo Milosevic esperava a assistência russa contra a Otan. O então chefe do Kremlin, Boris Yeltsin, não queria estremecer sua relação com o Ocidente, algo que já havia deixado claro para os sérvios antes mesmo de a guerra eclodir.

Moscou usou seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU para barrar a ação militar contra a Sérvia, mas não tomou ações mais contundentes quando a Otan decidiu prosseguir sem o sinal verde do grupo. O conflito terminaria em junho de 1999, com as forças sérvias aceitando a retirada de Kosovo e a entrada das Nações Unidas.

Para os nacionalistas sérvios, a perda sempre ficou entalada, tal qual a ação da Otan em seu país. Ao não reconhecer a soberania kosovar, Moscou cita seu apoio à integridade territorial da Sérvia — e Putin, que chegaria ao poder menos de um ano após a guerra no Kosovo, é parte fundamental disso, com sua visão messiânica de restaurar a glória imperial com a construção de uma Grande Rússia.

O manda-chuva do Kremlin é um crítico voraz das intervenções ocidentais no território kosovar, vendo-as como um sinal do enfraquecimento russo e do peso dos seus interesses na cena internacional. Ele se opôs à criação de um tribunal para julgar crimes cometidos por líderes sérvios, tirou as forças de paz russas do Kosovo em 2003 e bloqueou o reconhecimento do país na ONU, por exemplo.

Expansão da Otan

Os Bálcãs também são centrais para o argumento de Putin contra a expansão da Otan, uma das justificativas para a invasão da Ucrânia em fevereiro passado. Ele critica a ampliação da aliança rumo às fronteiras russas, que vem desde o fim da União Soviética, e cita uma promessa feita por americanos e europeus nos anos 1990 de que o “limite” da Otan seria a Alemanha então recém-reunificada.

Desde 2017, quando Montenegro se juntou à Otan, todos os portos no Mar Adriático pertencem a países da aliança. A Sérvia, portanto, é uma aliada de peso, mas o cálculo político que Belgrado precisa fazer não é tão simples.

A União Europeia é a maior parceira comercial dos sérvios, responsável por mais de 60% das trocas em 2021, e o valor das exportações para o bloco mais que quadruplicou de 2009 a 2001. Foi também há 13 anos que o país aplicou para a adesão à UE, negociações que começaram em 2014 e que o presidente Aleksandar Vucic afirma para Bruxelas ser sua prioridade.

Até outubro do ano passado, o país havia começado a abordar 22 dos 35 pontos demandados para a conclusão da candidatura, mas encerrado apenas dois, sinal de que o processo caminha a passos lentos. Uma das demandas é que o pleiteante se alinhe à política externa do bloco, adequação que caiu de 64% em 2020 para 45% em 2022.

A maior dissonância é a recusa de adotar sanções contra a Rússia após a guerra na Ucrânia, hesitação que lhe faz ser um pária europeu e motivo de pressão constante vinda de Bruxelas. Vucic, reeleito após uma vitória acachapante no ano passado, encontrou-se várias vezes com Putin desde que a invasão começou e firmou um acordo de três anos para receber gás russo, que compra a preço reduzido, aumentando sua dependência energética de Moscou.

Uma pesquisa feita em junho de 2022 pela Demostat mostra que 51% dos sérvios votariam contra a adesão à UE e que 40% veem Putin como o líder global de que mais gostam. A proximidade gera temores em vizinhos nos Bálcãs, que temem um empoderamento dos nacionalistas e uma nova guerra, medo acirrado pelos atritos mais recentes na região.

Elos históricos

A proximidade passa também por uma questão histórica. Ao longo dos séculos, com os Bálcãs disputados por forças católicas e otomanas, Moscou fez-se presente como aliada e patrona dos ortodoxos, e ingressou na Primeira Guerra Mundial em apoio a Belgrado, contra quem o Império Austro-Húngaro declarou guerra após o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando em 1914.

A Revolução Russa de 1917 foi um ponto de virada, assim como a criação do Reino da Iugoslávia no ano seguinte, juntando os povos eslavos após o fim do confronto. Houve pouca relação até o fim da Segunda Guerra Mundial, quando o Eixo foi em parte expulso da Iugoslávia pelo Exército Vermelho.

Com o triunfo de Josip Broz Tito e a transformação da Iugoslávia em um Estado socialista, as relações iniciais com a Rússia de Josep Stalin foram cordiais. Os atritos vieram a partir de 1948, quando Tito optou pelo não alinhamento entre os blocos capitalista e comunista, afastamento que se manteria por algumas décadas e fez a identificação dos iugoslavos com Moscou enfraquecer.

O colapso soviético quase simultâneo ao esfacelamento da Iugoslávia e os laços ente Rússia e Sérvia, contudo, falaram mais alto. Não é à toa que o grupo paramilitar russo Wagner veiculou anúncios na Sérvia neste mês buscando recrutas.

Vucic veio a público afirmar que o “Wagner não fará isso na Sérvia”, buscando afastar-se de Moscou, em acenos para os europeus e seus aliados. Disse que o “pior está por vir” no conflito da Ucrânia, afirmando que rechaça desde o início a invasão e que “para nós, a Crimeia e Ucrânia, Donbass é Ucrânia — e continuarão a ser”. Cabe ver, contudo, se a pressão para Belgrado se distanciar de Moscou surtiu efeito ou se os sérvios continuarão a jogar dos dois lados.

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