Após a absolvição da Air France e da Airbus no acidente que matou 228 pessoas pela Justiça francesa, o presidente da Associação dos Familiares de Vítimas do Voo 447 e pai de um dos 58 brasileiros mortos, Nelson Faria Marinho, criticou a decisão dos juízes, proferida nesta segunda-feira. A companhia aérea e a fabricante da aeronave enfrentavam a acusação de homicídio culposo, quando não há intenção de matar. No julgamento em Paris, o tribunal considerou que, apesar de cometerem "falhas", não se "pôde demostrar (...) nenhuma relação de causalidade segura" com o acidente.
O processo sobre o voo havia sido arquivado em 2019, mas foi reaberto em 2021, depois de intensa mobilização das famílias das vítimas.
— Eu estou indignado com a atitude desses juízes. Essa tragédia arrasou muitas famílias. Não dá para traduzir em palavras o que estou sentindo hoje. Eu perdi pai, mãe, irmãos. Mas perder um filho é diferente. É uma dor que vai se arrastar para o resto da minha vida — desabafou Nelson.
Foram nove semanas de audiências, encerradas em 7 de dezembro do ano passado. Em outubro, em entrevista ao GLOBO, Nelson já havia previsto um desfecho desfavorável às famílias das vítimas da tragédia, ao dizer que não acreditava na Justiça francesa. Nesta segunda-feira, ele confirmou a descrença.
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— Quero devolver a história de que o Brasil não é sério. A França não é séria. A Justiça francesa não é séria, não é imparcial. Se fosse, teria deixado esse avião em solo. Ninguém está conformado com essa decisão. Se você pegar a cronologia das tragédias que têm ocorrido em relação a aviões da França, você vai ver que todas as decisões foram favoráveis à França, ao fabricante, e desfavorável ao piloto e aos passageiros — pontua Nelson.
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O filho dele era Nelson Marinho, de 40 anos, que seguia para Angola, onde trabalhava em uma plataforma de petróleo, e faria a conexão em Paris. O pai relembra a tempestade no Oceano Atlântico que afetou alguns voos no dia do acidente.
— No dia da tragédia, todos os voos desviaram, só o da Air France foi em frente e entrou na tempestade. Eles falam que foi problema no sensor de velocidade, das sondas Pitot, mas antes delas o radar não detectou a tempestade. Foi o primeiro a falhar. Esse avião A-330 estava com defeito e caiu de 10 mil metros de altura em três minutos. O piloto não tinha nada a ver. No ano passado, eu almocei com 80 pilotos de países diferentes. Todos disseram que quando esse avião tem defeito, ele vai para o chão, não tem o que fazer. Mesmo assim, deixaram decolar. É o capital à frente da vida humana — conclui.
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Filho único de Valnizia Gusmão de Oliveira, Vinicios de Oliveira, de 34 anos, lembra do último abraço que deu na mãe, horas antes de ela embarcar no voo. Ela tinha 46 anos e embarcava para a Alemanha.
— O que mais vem na cabeça é o sorriso dela. Mas um momento que eu nunca vou esquecer foi o último abraço. Um dia eu estava saindo da casa dela, porque a gente não morava juntos. Desci o elevador e quando me dei conta eu tinha esquecido um documento no apartamento. Voltei sozinho para buscar, olhei bem para ela e dei o último abraço. Foi um abraço muito especial — relembra.
Quase 14 anos depois da tragédia, ele disse estar muito abalado com a decisão da magistratura francesa.
— Perder minha mãe foi uma porrada forte. Foi uma agonia até achar o corpo dela, depois julgamentos, agora isso (a absolvição). Não tem fim. Mas eu confio em Deus para me confortar. Quatorze anos de agonia é muito tempo. Estou desacreditado, mas vamos aguardar — relata Vinicios.
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