Quando a China flexibilizou as restrições contra a Covid-19 no fim do ano passado, muitos analistas, investidores e empresários esperavam que a economia apresentasse um crescimento rápido e robusto. Não foi o que aconteceu.
Desde então, as exportações recuaram, os investimentos estrangeiros estagnaram, menos projetos habitacionais estão sendo iniciados e o desemprego entre os jovens continua alto.
Diferentemente do que ocorreu em outros países, como Estados Unidos e Brasil, onde a forte inflação do pós-pandemia obrigou os bancos centrais a elevarem os juros, a China chegou a registrar deflação. Puxado por alimentos, o índice de preços ao consumidor caiu 0,3% em julho na comparação anual, o primeiro recuo desde fevereiro de 2021.
Já os preços ao produtor tiveram queda de 4,4% no mês passado em relação a julho de 2022 — o décimo recuo consecutivo. A demanda fraca forçou fábricas e empresas a reduzirem os preços.
Embora a queda dos preços na China possa ajudar a arrefecer a inflação global, o movimento demonstra uma fraca demanda interna, o que adiciona receios para a economia mundial e para países com fortes relações comerciais com Pequim.
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Retomada lenta
A sócia da assessoria Vallya e especialista em China, Larissa Wachholz, observa que a maior parte da população chinesa era cética quanto à possibilidade de uma retomada veloz:
— A confiança das famílias é um elemento importante, principalmente pensando na transição de modelo econômico que a China tenta fazer, que é passar de uma economia que exporta e investe em infraestrutura para uma economia que dependa cada vez mais do mercado doméstico e da capacidade de consumo.
A economista-chefe para Ásia-Pacífico da consultoria Natixis, Alicia Garcia Herrero, também destaca a falta de confiança como um dos motivos para o consumo interno estar abaixo do esperado:
— Além disso, o crescimento estagnado da renda disponível e o alto desemprego juvenil deixa todos mais conservadores. Eles sabem que sua renda pode não crescer mais tão rápido.
O desemprego entre os jovens atingiu 21,3% em junho.
Impactos para o Brasil
Por aqui, o maior impacto deve ser na exportação de commodities metálicas. Os preços do minério de ferro têm patinado no mercado internacional, rondando os US$ 100 por tonelada nos últimos meses. Na B3, as ações da Vale, que têm exposição à China, acumulam queda acima de 20% no ano.
— Nossas exportações para a China, para o bem e para o mal, são de produtos primários, que tendem a ser mais resilientes. Mas acredito que é importante para o Brasil que a China consiga fazer essa transição de modelo econômico. Se eles tiverem sucesso nessa política, o Brasil vai conseguir agregar valor a seus produtos e inserir novos itens na pauta (de exportações). Se essa transição demorar ou não ocorrer, seria uma janela de oportunidade perdida para nós — diz Larissa.
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O analista de commodities do Itaú BBA, Daniel Sasson, espera que os níveis do preço do minério permaneçam em torno de US$ 100 por tonelada até o fim do ano. Não é uma cotação baixa, diz, mas é bem inferior aos patamares dos últimos anos, quando a commodity ultrapassou os US$ 200:
— Esse preço de minério de ferro mais baixo faz com que a geração de caixa seja menor. Portanto, o pagamento de impostos à União e o retorno de dinheiro aos acionistas será mais baixo.
Louise Loo, economista especializada em China da Oxford Economics, destaca que o atual desempenho da economia chinesa pode ser atribuído ao estímulo contido da demanda durante a pandemia, aos anos de aperto regulatório às empresas privadas e a uma correção do setor imobiliário, que tem forte peso no PIB.
— Tudo isso combinado significa que o sentimento do consumidor está se recuperando de um ponto muito mais baixo. Obviamente, um cenário externo mais fraco, já que o resto do mundo agora experimentará os impactos negativos do aperto da política monetária, significa que a demanda por produtos chineses também está bastante fraca.
Ela observa ainda que uma economia global em desaceleração, como resultado do aperto monetário para conter a inflação, vai reduzir a demanda por produtos chineses.
O valor total das exportações chinesas caiu 14,5% em julho, na comparação anual, a maior queda desde fevereiro de 2020. Já as importações cederam 12,4%, segundo dados da administração alfandegária do país divulgados na semana passada.
Quanto à demanda interna, Louise relembra que a maioria das outras economias ocidentais se beneficiou de políticas de repasse de renda pelo governo ou medidas diretas para estimular o consumo, o que não ocorreu a China.
— Então, as famílias na China tiveram menos para gastar quando a economia reabriu. Descobrimos também que o sentimento do consumidor na China está muito ligado aos preços dos imóveis, tendo em vista o quanto os ativos relacionados à habitação estão nos balanços das famílias. E dado que esse setor passa por uma correção, vemos uma confiança do consumidor influenciada de forma negativa.
Nova crise imobiliária?
O setor imobiliário vem dando sinais de fraqueza desde o início do ano. O início de novas construções caiu 24,3% em relação ao ano anterior em junho. Pesa ainda o temor de inadimplência da Country Garden Holdings, a maior incorporadora da China em vendas. A empresa deixou de honrar o vencimento de alguns títulos. Ontem, suas ações desabaram 18%.
— Um fator-chave que impulsiona a economia da China é o mercado imobiliário, e a desaceleração contínua no setor continua sendo um grande fardo para a economia. Para estabilizar a economia, é fundamental estabilizar o mercado imobiliário — disse a economista do Julius Baer, Sophie Altermatt.
Segundo Sasson, do Itaú BBA, nem o anúncio recente de medidas de incentivo deu ânimo ao mercado:
— O consumidor se questiona se vale a pena comprar agora se daqui a três meses ele pode comprar por um valor mais baixo. A questão talvez não seja muito o crédito, mas sim o desconforto da população com renda e emprego.
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Previsões menores
As empresas, por sua vez, hesitam em aumentar a produção ou os investimentos. O diretor assistente e economista da Moody’s Analytics, Harry Murphy Cruise, ressalta que elas têm na memória os repetidos lockdowns de 2022 e as súbitas mudanças na política econômica. Por isso, diz, muitas adotam a postura de “esperar para ver”.
Com a sequência de números abaixo do esperado, crescem as expectativas com novas políticas de estímulo. O governo já reduziu os juros, e órgão estatais têm adotado medidas pontuais de estímulo ao mercado privado e ao consumo, mas o resultado ficou aquém do esperado.
— As autoridades ainda estão muito focadas no “crescimento de alta qualidade”, o que significa que qualquer retorno a fortes estímulos é improvável. As medidas anunciadas até agora, no entanto, são principalmente do lado da oferta. Resta saber se isso aumentará a demanda do consumidor de forma significativa — disse Louise, da Oxford Economics, que prevê crescimento de 5,1% este ano.
Para Sophie, do Julius Baer, a tendência é que novas medidas de apoio econômico sejam anunciadas nos próximos meses, mas não há expectativa de que sejam da mesma magnitude do que àquelas aplicadas nos últimos anos.
— A China implementou pelo menos três rodadas de estímulos maciços desde a crise financeira global, todas focadas em infraestrutura e construção imobiliária. A economia chinesa ainda está lidando com os efeitos colaterais dessas medidas e os desequilíbrios que elas criaram. É provável que eles se abstenham de recorrer ao manual de estímulo tradicional de habitação, construção e investimento em infraestrutura. Acreditamos que o apoio será mais modesto e direcionado.
No segundo trimestre, a alta foi de 6,3%, abaixo das projeções de 7,3%. Com isso, bancos como o JPMorgan, Citi e Morgan Stanley reduziram suas estimativas para o PIB no ano. Agora, parte dos analistas avalia que a China apenas atingirá a meta do governo, de crescimento de 5% — pouco para um país habituado a taxas de expansão de dois dígitos.
— Quando as autoridades anunciaram a meta no início deste ano, presumimos que a estratégia era prometer pouco e entregar demais. Agora, existe o risco de que 2023 seja uma história de promessas demais e entregas insuficientes — diz Cruise, da Moody’s Analytics, que reduziu sua projeção de 5,4% para 5,1%