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Cena do filme 'Réquiem para um sonho' — Foto: Divulgação
Cena do filme 'Réquiem para um sonho' — Foto: Divulgação

“Se você ler isso, tome muito cuidado”, alertou o músico Lou Reed quando se deparou com o brutal romance “Réquiem para um sonho”, de Hubert Selby Jr. (1928-2004). Hoje, a frase estampa a capa do livro, originalmente lançado em 1978, e que só agora ganha uma edição inédita no Brasil.

O “réquiem” mencionado no título é um termo da Igreja Católica que se refere à prece destinada aos mortos, o que já indica o que está por vir: um drama trágico sobre o vício em drogas, sejam elas legais ou ilegais. Através da deterioração gradual de quatro personagens, revela-se o lado obscuro do “sonho americano”.

Selby era a voz dos oprimidos na caótica Nova York dos anos 1970 e expôs a natureza da dependência química como poucos autores conseguiram. Inspirado em experiências pessoais com o vício, analisou a condição humana em sua mais frágil essência e concebeu um retrato impactante sobre o tema, que serviu como prenúncio à crise de saúde que assolaria os Estados Unidos no século XXI, tão bem detalhada em livros como “Império da dor”, de Patrick Radden Keefe, por exemplo.

A estrutura adotada por Selby é intencionalmente embolada, uma vez que os diálogos se sobrepõem ao fluxo narrativo. Esse estilo distinto, porém, é eficaz ao refletir a sensação de angústia e aflição, ecoada na linguagem dos povos marginalizados — repleta de gírias das ruas e expressões que exigiram um minucioso trabalho de tradução, muito bem executado por Diego Gerlach.

O enredo guia o leitor pela vida de quatro figuras. Harry e Marion estão apaixonados e querem abrir seu próprio negócio. Um amigo deles, Tyrone, quer escapar da vida no gueto. Para realizar esses sonhos, eles compram uma grande quantidade de heroína, planejando enriquecer com a venda, mas acabam mergulhando no devastador submundo da dependência.

Enquanto isso, Sara — a solitária mãe viúva de Harry — sonha em aparecer na televisão. Quando um telefonema de uma empresa responsável pela seleção de um game show lhe dá esperanças, ela vai ao médico, que lhe prescreve pílulas (anfetaminas) para perder peso. Ela passa os meses seguintes tomando os comprimidos, mas também se torna viciada.

Para eles, as drogas gradualmente tomam o lugar de todo o resto: do sexo, da comida, das aspirações e até mesmo do impulso diário de viver. Elas se tornam as únicas fontes de dor e prazer. Isso propicia ao autor criar um cenário cujas fantasias dos personagens são embaralhadas com a realidade, gerando até a ilusão de que as perspectivas melhoraram quando, na verdade, não progrediram em nada.

Com toda certeza, o leitor não irá abrir um sorriso após folhear as últimas páginas de “Réquiem para um sonho”. Assim, a obra (cujo título poético evoca uma falsa serenidade) fica restrita a um nicho específico de admiradores. Já a chocante destruição dos personagens nos deixa uma lição, antecipada por Selby na abertura do romance: “Infelizmente, suspeito que nunca haverá um réquiem para o sonho, simplesmente porque ele vai nos destruir antes que tenhamos a oportunidade de lamentar sua morte”.

A complexidade de “Réquiem para um sonho” chamou a atenção do cineasta Darren Aronofsky, que adaptou o texto de Selby, com a ajuda do próprio, para o premiado filme lançado em 2000 — estrelado por Jared Leto, Ellen Burstyn (indicada ao Oscar pelo papel), Jennifer Connelly e Marlon Wayans.

Considerado um clássico cult, o longa-metragem recebeu recentemente um tratamento de luxo, em alta definição, pelo selo Obras-Primas do Cinema, com a Europa Filmes, o que apenas evidenciou a relação de simbiose com o livro, estabelecendo um elo fundamental para a imergir no desconfortável universo descrito por Selby e projetado por Aronofsky.

O diretor, inclusive, assina o prólogo desta edição que agora chega ao país, revelando a influência da obra de Selby em sua vida: não apenas o impacto de “Réquiem para um sonho”, considerado por ele uma história de “monstro” (o vício), mas também o encanto por “Última saída para o Brooklyn” (1964), outro romance seminal do autor.

Gabriel Zorzetto é jornalista

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