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Por Ruan de Sousa Gabriel — São Paulo

No dia seguinte à renúncia da primeira-ministra britânica Liz Truss, na quinta-feira da semana passada, o escritor Julian Barnes disse ao GLOBO que a ex-líder do Partido Conservador mostrou o que acontece quando um político eleito irrita o mercado, “essa besta imoral”. Truss permaneceu apenas 44 dias no cargo e analistas avaliam que ela caiu após tentar implementar uma política econômica tão neoliberal que nem a Bolsa de Valores de Londres e o partido de Margaret Thatcher puderam apoiar. “A função principal de um político é desapontar”, diz Elizabeth Finch, personagem que batiza o novo romance de Barnes. O escritor concorda.

Aos 76 anos, e com uma longa lista de prêmios que inclui o prestigioso Man Booker (2011), o inglês já publicou 27 livros e, no Reino Unido, suas obras não costumam passar em branco. Suas opiniões, aliás, convergem frequentemente com as de Elizabeth Finch, uma professora de cultura e civilização que aprecia a filosofia antiga e lamenta que o cristianismo tenha derrotado o paganismo greco-romano. “O momento em que a História deu errado”, diz ela, que ensina a seus alunos sobre Juliano, o Apóstata, último imperador romano pagão, homenageado em um verso do poeta inglês Algernon Charles Swinburne (1837-1909): “Tu venceste, ó pálido Galileu”.

Para Elizabeth (e Barnes), porém, a vitória não foi tanto de Jesus de Nazaré, mas de uma cultura intolerante que resultou em extremismo religioso, nacionalismo e repressão sexual. Após a morte de Elizabeth, um de seus alunos, Neil, se dedica a investigar a vida e a filosofia íntima da professora e as representações de Juliano ao longo da História.

Inimigo do monoteísmo e dos missionários, o escritor explicou ao GLOBO por que implica com a religião.

Elizabeth Finch aprecia a filosofia antiga. Você gosta de filosofia?

Entrei em Oxford para estudar francês e russo e um ano depois mudei para filosofia e psicologia. Desisti. Não entendia a filosofia, e a psicologia era pura anatomia, e eu queria entender como os humanos funcionam. Inconscientemente, eu já desejava ser romancista. Um professor escreveu em um relatório: “Mr. Barnes é inteligente, mas não é um filósofo”. Entendi a mensagem. Meu irmão Jonathan é filósofo, especialista em filosofia antiga. Ele é antigo mesmo, mais do que eu. Quando contei que estava escrevendo sobre Juliano, o Apóstata, ele se comportou como um professor diante de um aluno não muito inteligente e fez várias correções. Sou um filósofo amador. Se me pedissem para escrever “A filosofia de Julian Barnes”, seria um livro muito curto. Talvez um tuíte.

E o que diria esse tuíte?

A filosofia de Julian Barnes é racionalista, ateia, prática, plural e tolerante. Só não tolera extremismo religioso.

Bem iluminista, então.

Os iluministas colocaram juízo na cabeça da Europa após séculos de trevas. Há dois, três séculos, a Igreja e a aristocracia mandavam em tudo. Jean Meslier não disse que queria enforcar o último rei nas tripas do último padre? Eu me contento em tirar o poder deles.

Neil especula que, se o cristianismo não tivesse vencido o paganismo greco-romano, talvez não houvesse necessidade de um Renascimento e do Iluminismo. Você concorda?

É uma boa hipótese. Pesquisando para o livro, descobri que o cristianismo primitivo era incrivelmente violento. Eu pensava que os primeiros cristãos eram mortos aos milhares pelos romanos, mas, segundo os historiadores, nos primeiros três séculos da Era Cristã, os romanos mataram o equivalente ao que os cristãos mataram, em média, por ano, ao longo da História. Para estabelecer sua religião, os cristãos exterminaram os dissidentes. Essa é a base do monoteísmo. É razoável comparar os primeiros cristãos ao Talibã. Os romanos impunham suas leis aos povos dominados, mas não sua religião. Uma das consequências do monoteísmo foi o estreitamento da mente. No século XIX, os Estados Papais, parte da atual Itália, estavam entre os lugares mais atrasados da Europa. Só os padres sabiam ler e não havia telégrafos ou ferrovias. Isso é religião aplicada à vida social.

No romance, Elizabeth Finch é cancelada por expressar esse tipo de opinião.

(Risos) Não acho que eu vá ter problemas por dizer isso aqui no Reino Unido. Talvez comparar os primeiros cristãos ao Talibã irrite algumas pessoas.

Você vê algo de positivo na religião?

(Suspiro.) O mundo é um lugar desolador, solitário. Até para os ateus. Ter uma crença religiosa e a esperança na vida eterna, na punição dos maus e na recompensa dos bons pode ajudar algumas pessoas. O problema é que isso é ficção.

Elizabeth Finch afirma que o monoteísmo institui uma ortodoxia sexual. A infidelidade é um tema comum em seus romances...

Se só houvesse pessoas bem casadas que nunca comentem adultério, os romancistas não teriam sobre o que escrever! Elizabeth Finch se refere a um outro Juliano, Juliano de Eclano, que perdeu um debate teológico com Agostinho. Ele acreditava que o desejo sexual era santo porque vinha de Deus e não aceitava a doutrina do pecado original. Se tivesse vencido, talvez os últimos séculos tivessem sido bem mais divertidos. O cristianismo ainda ensina que, se você se comportar bem, talvez possa ser feliz no paraíso. Para os gregos e os romanos, a felicidade pertencia a esta vida. A cada dia, odeio mais o monoteísmo. E os missionários. Me enerva a arrogância de ir para outro país dizer para pessoas que você considera inferiores que, se eles rejeitarem a religião de seus ancestrais, seguirem a Bíblia e usarem calças vão ganhar o paraíso!

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Elizabeth repete uma frase do filósofo Ernest Renan: “Entender erradamente sua história faz parte de ser uma nação”. Você concorda?

Essa é uma das minhas frases preferidas. Meu país é conservador e não gosta de olhar a própria História. Quando eu era estudante, aprendi que a escravidão era coisa daqueles americanos terríveis. Nós defendemos a abolição! Anos atrás, quando derrubaram a estátua de um escravocrata em Bristol, houve comoção no governo e nos jornais da direita. Acho uma boa ideia substituir as estátuas de tempos em tempos. A maioria das estátuas são de reis, aristocratas e militares, não de dissidentes e pensadores. Essa é uma representação justa da História?

Liz Truss provou que Elizabeth tinha razão quando disse que a função principal de um político é desapontar?

Elizabeth Finch estava certa à milésima potência! O Reino Unido é um exemplo para o mundo de como não fazer as coisas. Nós inventamos o críquete. E hoje a função principal da nossa seleção de críquete é perder para as ex-colônias! Liz Truss mostrou o que acontece quando você faz algo que o mercado, essa besta imoral, desaprova. Quando Charles de Gaulle era presidente, um ministro disse que, se ele fosse adiante com certa política, o mercado ia ficar em polvorosa. Ele respondeu: “A política de la France não é feita en la bolse”. Hoje ninguém pode dizer que a política britânica não é ditada pela Bolsa de Valores de Londres, porque é.

Em “O homem do casaco vermelho”, sobre o ginecologista francês Samuel-Jean Pozzi , você diz que “biografia é um conjunto de buracos amarrados com um barbante”. No entanto, seus romances flertam com o gênero biográfico ou são protagonizados por biógrafos acidentais. Por quê?

A distância entre ficção e não ficção é curta. Cruzo essa fronteira o tempo todo sem precisar de passaporte. Há quem pense que a biografia é mais científica do que o romance, mas eu discordo. Há tanta arte em uma biografia quanto em um romance. Escrevo sobre pessoas que me interessam. Pode ser uma professora fictícia, como Elizabeth Finch, ou um ginecologista francês do século XIX, como Pozzi. Não importa se é um romance ou uma biografia. Só quero contar uma história.

Capa de "Elizabeth Finch", novo romance do escritor britânico Julian Barnes, publicado pela Rocco — Foto: Reprodução
Capa de "Elizabeth Finch", novo romance do escritor britânico Julian Barnes, publicado pela Rocco — Foto: Reprodução

Serviço:

Elizabeth Finch’

Autor: Julian Barnes. Tradução: Léa Viveiros de Castro. Editora: Rocco. Páginas: 192. Preço: R$ 59,90.

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