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Por — São Paulo

“Homem, és capaz de ser justo?”, provocou Olympe de Gouges, guilhotinada em 1793 por defender os direitos das mulheres na Revolução Francesa. Mais de dois séculos depois, o historiador Ivan Jablonka se arriscou a responder a pergunta da pioneira feminista. Concluiu que, enquanto estiverem subjugados pela “masculinidade de dominação”, que promove a “virilidade compulsória” e rebaixa as mulheres a prestadoras de serviço, os homens jamais serão justos. No entanto, argumenta Jablonka, há outras maneiras de ser homem que combinam masculinidade e justiça. É delas que trata seu livro “Homens justos: do patriarcado às novas masculinidades”, publicado no Brasil pela Todavia.

Jablonka está no Brasil para dar duas palestras: “Renovar a literatura através das ciências humanas” (hoje, às 10h, na Universidade Federal Fluminense, em Niterói) e “Quando o pesquisador diz ‘Eu’” (amanhã, às 14h, na PUC-Rio).

No início da semana, conversou com o GLOBO sobre o que os homens têm a ganhar com a reforma das masculinidades, o impacto da justiça de gênero na ética sexual e como a boy band sul-coreana BTS combate “modelos autoritários de virilidade”. Também afirmou que a reinvenção das masculinidades é “uma nova utopia” capaz de nos conduzir a um futuro em que “nossos filhos serão justos e nossas filhas serão livres”.

Você começa o livro dizendo que “os homens travaram todas as batalhas, menos a da igualdade entre os sexos”. Como explicar esta recusa?

O patriarcado nos assegura privilégios aos homens: no trabalho, na vida familiar, na sexualidade. Diante disso, comecei a me perguntar como conciliar masculinidade e justiça. Como historiador, investiguei como o patriarcado foi criado e o que é ser um homem bom de acordo com os princípios da justiça de gênero. Participo do debate como homem heterossexual, pai de três filhas e intelectual porque acredito que temos a oportunidade e a responsabilidade de participar das mudanças sociais desencadeadas desde o #MeToo. O sucesso do feminismo também depende da reinvenção dos modelos masculinos.

O que os homens ganham com a reforma da masculinidade?

A da virilidade compulsória, que diz que homem não chora, é uma prisão que leva a vícios e ao empobrecimento da vida psíquica. Temos que reconhecer nossa vulnerabilidade, nosso direito de chorar, de fazer terapia, e aceitar nossas inseguranças em vez de transformá-las em violência. Temos direito a uma vida saudável, pautada não pela dominação, mas pelo cuidado do outro.

Como as chamadas “masculinidades dissidentes” permitem repensar o que é ser homem?

A masculinidade se define em relação não só ao feminino mas também a masculinidades consideradas ilegítimas ou dissidentes: a masculinidade do negro, do judeu, do homossexual, do intelectual, da pessoa com deficiência etc. Certas masculinidades foram sistematicamente ridicularizadas para que a norma patriarcal de dominação parecesse óbvia. As masculinidades alternativas mostram que há mil maneiras de ser homem. Precisamos politizar o masculino e mostrar como ele é complexo e plural.

Qual o impacto da reinvenção da masculinidade na ética sexual? No seu livro, você cita o “homem lésbico” como um possível modelo...

Defendo uma “masculinidade de respeito”, cuja ética sexual é baseada no consentimento, na luta contra a violência sexual, na diferenciação entre assédio e flerte e no combate a comportamentos como tocar, elogiar incessantemente a aparência e abordar mulheres em público sem levar em conta o desejo delas. Também precisamos debater a igualdade no prazer. Em geral, o sexo heterossexual segue o roteiro de alguns minutos de penetração seguidos pela ejaculação, o que explica por que, em relações heterossexuais, as mulheres têm muito menos orgasmos que os homens, como mostram as pesquisas. Quando Jean Markale (escritor francês) fala do “homem lésbico”, ele não se refere à orientação sexual, mas à divisão igualitária do prazer, ao homem delicado que se preocupa com o prazer feminino.

Qual o papel da cultura popular na criação e novas masculinidades?

Por um século, Hollywood nos disse o que é ser um homem de verdade. Nos filmes de faroeste, há várias masculinidades em confronto: o xerife, um chefão branco e autoritário, o bandido e o empregado mexicano ou chinês. O padrão masculino é associado a uma etnia, uma cultura. Hoje, cada vez mais jovens atores se assumem gays ou pessoas não binárias. Um exemplo de como a cultura pop está mudando é a banda sul-coreana BTS, que apagou a fronteira entre beleza feminina e sensualidade masculina. Essa confusão de gêneros expressa uma desconfiança em relação ao patriarcado e o desejo por novas representações, em oposição a modelos autoritários de virilidade.

Como ser um homem justo?

Engajando-se na luta pela justiça de gênero, que se apoia em quatro pilares: educação e combate aos condicionamentos de gênero, que reduzem mulheres a boas mães e boas esposas; divisão das tarefas e da carga mental domésticas; mudança da representação das mulheres na mídia, na publicidade, nos filmes; e, por fim, demanda por mais mulheres no topo dos negócios e da política.

Como os homens têm respondido ao seu convite para questionar a masculinidade?

Nas minhas palestras, 80% do publico é feminino! A indiferença ao tema é parte do problema. Somos ensinados que a masculinidade é o que é, e pronto. Na França, a direita me acusou de trair meu sexo e a esquerda disse que eu, como homem branco e heterossexual, deveria deixar que as vítimas da masculinidade liderassem a discussão. Venho de uma tradição democrática e de esquerda e penso no meu livro como um tratado sobre uma nova utopia. Temos que inventar uma nova sociedade onde nossos filhos serão justos e nossas filhas serão livres.

Serviço:

'Homens justos: do patriarcado às novas masculinidades'

Autor: Ivan Jablonka. Tradução: Julia da Rosa Simões. Editora: Todavia. Páginas: 432. Preço: 106,90.

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