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Uma pessoa morta que se refere a si própria como “você” é quem narra a surreal ficção “As sete luas de Maali Almeida”, recém-lançada no Brasil. Uma abordagem incomum que pode causar estranheza à primeira vista, mas que rapidamente prova seu efeito de imersão junto ao protagonista do livro que venceu o Booker Prize 2022 e foi eleito o melhor romance do ano passado por jornais como Guardian e Washington Post.

É apenas o segundo romance de Shehan Karunatilaka, autor nascido no Sri Lanka e cujo principal mérito foi usar a guerra civil de sua terra natal como pano de fundo para contar uma história que transita entre o natural e o sobrenatural, entrelaçando o macabro ao realismo fantástico, em torno de Malinda Almeida, um fotógrafo de guerra assassinado aos 34 anos que se vê perdido no Interstício — espécie de purgatório (cheio de burocracias) que abriga almas atordoadas, onde ele é obrigado a permanecer por sete luas antes de alcançar a “Luz”.

A obra não é inédita no que diz respeito a apresentar um narrador-defunto. O exemplo mais célebre, nesse sentido, é o nosso clássico “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis. Há, porém, uma intenção em comum nos romances com a perspectiva post-mortem: eles são capazes de analisar a condição humana de maneira privilegiada ao colocarem os protagonistas diante de seus traumas, confrontando-os com as feridas do passado.

Pistas do passado

No caso de Maali, que nunca se assumiu gay e era viciado em apostas, a vida após a morte se mostra tão complexa quanto no mundo sensível. No além, ele testemunha o seu corpo desmembrado ser largado num lago por “lixeiros”, criminosos que desovam cadáveres decorrentes do sangrento conflito armado que assolou a pequena ilha asiática entre 1983 e 2009 — segundo a ONU, estima-se que mais de cem mil pessoas possam ter perdido a vida no genocídio.

À medida que o falecido compartilha gradualmente suas memórias com o leitor, descobrimos sobre algumas fotografias importantes que ele guardou: provas de atrocidades cometidas contra civis por esquadrões da morte do governo, e dos funcionários corruptos que orquestraram tais crimes, que podem ser a chave para desvendar seu assassinato. Assim, para que sua morte não seja em vão, ele precisa guiar seus entes queridos em direção a estas fotos. É a partir deste momento que a narrativa deslancha e ganha contornos de um pungente thriller investigativo, nos conduzindo por um passeio selvagem e fantasmagórico recheado de vilões, sejam eles vivos ou mortos.

Ao mesmo tempo, o livro não perde a ternura e o humor satírico, cristalizado na figura do protagonista, um gozador nato cheio de piadas autodepreciativas: “Ser um fantasma não é tão diferente de ser um fotógrafo de guerra. Longos períodos de tédio, espaçados entre breves surtos de terror”, revela, depois de perguntar para sua orientadora no Interstício qual é o nome verdadeiro de Deus. Ao não obter uma resposta conclusiva, ele dispara: “Tenho um nome excelente para Deus. Seja Lá Quem. Todos deveriam rezar para Seja Lá Quem. Que aí ninguém se ofende. ‘Venerável Seja Lá Quem, cuide da minha família. E nos dê dinheiro e nos livre da dor. Com amor, Eu’.”

Em suma, “As sete luas de Maali Almeida” oferece uma leitura inventiva que combina os melhores recursos da fantasia aos melhores elementos da literatura, demonstrando como essas abordagens podem se complementar quando tratadas com habilidade.

Agora, só podemos aguardar com altas expectativas pelo próximo trabalho de Shehan Karunatilaka.

Gabriel Zorzetto é jornalista

‘As sete luas de Maali Almeida’. Autor: Shehan Karunatilaka. Tradução: Adriano Scandolara. Editora: Record. Páginas: 406. Preço: R$ 89,90. Cotação: ótimo.

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