Cultura
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Por Gustavo Cunha — Rio de Janeiro

Bailarinos devem ter os pés no chão para entender o momento certo de pular fora. É mais ou menos isso o que aponta Claudia Mota ao explicar a maneira pela qual coreografará sua carreira daqui em diante. Primeira bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a carioca do bairro da Tijuca, na Zona Norte da cidade, decidiu dar adeus aos espetáculos clássicos — marca da maior companhia de balé da América Latina — após quase três décadas de dedicação total a obras do gênero, como “Carmen”, “O quebra-nozes” e “O lago dos cisnes”, para citar só alguns. Será um recomeço.

— É importante saber que chegou a hora de virar a curva e pensar em outro futuro — afirma. — Cheguei a um determinado ponto em que preciso abrir novos caminhos.

O “outro futuro”, ela indica, está logo ali. Amanhã, Claudia embarca para Nova York, onde apresentará — na próxima terça-feira, no Lincoln Center — o espetáculo de dança contemporânea “Le parc”, do francês Angelin Preljocaj. A intenção, a partir daí, é mergulhar num repertório embalado por linguagem moderna e “com mais liberdade”, como diz.

Nos EUA, ela subirá ao palco ao lado de Constantine Allen, primeiro bailarino do Balé Nacional da Holanda, em evento que celebrará os 25 anos do Youth American Grand Prix (YAGP), responsável por uma das maiores premiações de dança no mundo. Aliás, a partir deste ano, a brasileira rodará o planeta como uma das novas representantes artísticas da organização.

Antes disso, Claudia se despedirá, é claro, do estilo que a consagrou, voltando a encenar a primeira peça em que atuou como protagonista, há 20 anos. Hoje, às 19h, a bailarina abre a nova temporada de “Giselle”, clássico com coreografia original de Jean Coralli e Jules Perrot, no Theatro Municipal. A montagem segue em cartaz — com outras artistas revezando-se no papel-título — até o dia 16. No dia 15, já de volta ao Brasil, Claudia faz, enfim, sua derradeira apresentação. Mas sem abandonar o lugar que a projetou. Assim como Márcia Jaqueline e Juliana Valadão, ela se mantém firme e forte no posto de primeira bailarina da casa, mas com foco integral nas produções contemporâneas.

Ordens do corpo

Claudia reforça, repetidas vezes, que está tranquila com a escolha. E acrescenta que aceitou bem “as ordens do corpo”, algo que, uma hora ou outra, precisaria encarar. Hoje, antes de riscar os tablados do Theatro Municipal, ela emplastará as unhas dos pés com uma pomada de xilocaína, substância anestésica para o alívio da dor. Esses ossos do ofício — algo que empilha desde criança —, ela quer, sim, enterrar.

— Já falei para a minha unha: “Segura sua onda, porque não é hora de dar ruim.” Há muito amor no balé. Mas também existe muito sacrifício. Chega uma hora que o desgaste emocional e a rotina rigorosa cansam — admite ela, que diariamente se dedica a ensaios, aulas com preparadores físicos e treinos com exercícios específicos de acordo com o espetáculo em cartaz. — O balé clássico exige sempre uma busca incessante pela perfeição. Em vésperas de temporada, entro numa clausura. É como se deixasse minha vida em segundo plano para viver outra. Muita gente não imagina, mas é como uma rotina de atleta. A interrupção, agora, é natural.

Claudia Mota, em cena de 'Giselle', no Theatro Municipal do Rio de Janeiro — Foto: Divulgação/Daniel Ebendinger
Claudia Mota, em cena de 'Giselle', no Theatro Municipal do Rio de Janeiro — Foto: Divulgação/Daniel Ebendinger

Serena, Claudia só muda o tom ao ser questionada sobre sua idade. De uns tempos para cá, a carioca que resolveu ser bailarina aos 4 anos, em fins da década de 1970, prefere deixar os números da certidão de nascimento sob a penumbra. Ela se justifica:

— O problema, para mim, é a mentalidade do brasileiro. Não sabemos diferenciar idade e capacidade. Decidi então que nunca mais falarei sobre isso. Da última vez que abordei o tema, as pessoas só diziam a mesma coisa: “Nossa, mas você está tão bem para a sua idade.” Ou então ouvia o seguinte: “Meu Deus, mas você ainda está dançando!?” Essas colocações me deixam revoltada. Como as pessoas se prendem a uma pequenez dessa? — questiona-se. — Acho que isso não deveria ser a cereja do bolo.

Fato é que o tema, em geral, ainda representa uma pedra no meio do caminho de bailarinos. Há, sim, uma validade determinada na profissão daqueles que se dedicam a pliés e frappés, da mesma maneira que se vê entre quem é esportista. Mas quando, afinal, aposentar as sapatilhas? Não há resposta certa para a pergunta.

— Cada bailarina tem que ter essa noção. Claro que há gente que continua dançando, dançando, dançando... Não discrimino, porque há aí um estado de felicidade. Se não está tirando o lugar de ninguém, maravilha! — opina ela. — Mas acho que realmente precisamos respeitar o nosso corpo. E são as lembranças boas que quero carregar para a minha vida, sabe? Não quero entrar em cena e falar: “Caramba, fazia melhor isso daqui, e agora não consigo mais.”

Por mais que vislumbre um horizonte além-mar — a bailarina engatilha agora uma série de projetos na Europa e nos EUA, sempre com ênfase em dança contemporânea —, Claudia mantém firme uma certeza: quer aplaudir mais brasileiros que, como ela, construíram uma carreira em solo nacional, apesar das dificuldades com patrocínio, atraso de salários, baixa frequência de espetáculos...

— Quero muito que o Brasil tenha orgulho de mim, porque fiz muito por este país. Sinto que, cada vez mais, estamos perdendo talentos — lamenta. — Temos muitos bailarinos no exterior que usam o Brasil para que sua imagem seja alavancada. E eles não dançam aqui! Não estou falando, é claro, daqueles que não tiveram oportunidades e precisaram viajar por isso. Quero deixar um exemplo digno de que é possível, sim, fazer carreira por aqui, apesar dos problemas.

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