Cultura
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Por — São Paulo

RESUMO

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GERADO EM: 07/07/2024 - 04:30

Filosofia e moda: ensinamentos atuais

Ilaria Gaspari, filósofa italiana, traz ensinamentos da Grécia Antiga para a atualidade, defendendo o ceticismo contra fake news e a ética do bem-estar coletivo. Seu romance A reputação explora a relação entre moda e filosofia. A necessidade de diversificar o cânone filosófico e repensar a noção de felicidade também são abordadas.

Quando foi anunciada, a nova curadora da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), a editora Ana Lima Cecilio, adiantou que a programação vai discutir dilemas contemporâneos, como a emergência climática e a indústria das fake news. Primeira autora confirmada da edição deste ano, que ocorre entre 9 e 13 de outubro, a italiana Ilaria Gaspari promete chamar até os filósofos da Grécia Antiga para a conversa, o que ela já faz em seus livros. Em “Lições de felicidade” (Âyiné), narrou como a prática de exercícios propostos por escolas filosóficas da Antiguidade (a pitagórica, a eleática, a cética, a estoica, a epicurista e a cínica) a ajudaram a elaborar o término de um relacionamento.

Ilaria reforça, porém, que as lições dos gregos não se limitam a questões individuais — ela deplora a apropriação da filosofia estoica por livros de autoajuda e manuais para se dar bem nos negócios. A ética dos antigos, diz ela, se responsabiliza pelo bem-estar do outro.

A italiana também é autora de “A vida secreta das emoções” e tem um romance no prelo (tudo pela Âiyné): “A reputação”, que lança um olhar filosófico sobre a moda. Em entrevista ao GLOBO, ela explicou a diferença entre a noção grega de felicidade e a nossa e defendeu um cânone mais diverso — mas sem cancelamentos.

A Flip quer incluir discussões contemporâneas. Como a filosofia entrar no debate?

Grandes escolas filosóficas como o estoicismo, o epicurismo e até o cinismo, que nos ensina a não ser maria-vai-com-as-outras, se desenvolveram em um tempo de muitas mudanças, Alexandre, o Grande, expandira as fronteiras e o modelo democrático estava em declínio. Suas lições continuam válidas porque não nos oferecem apenas consolo em forma de slogans, mas nos ensinam a ser mais ativos na vida. Os antigos eram guiados por ideias de liberdade, propósito e responsabilidade em relação aos outros.

Eles têm algo a dizer sobre a emergência climática?

Penso que uma categoria estética como a do sublime pode nos ajudar a repensar nossa relação com a natureza. Etimologicamente, sublime é algo que nos coloca no limite do que é humanamente suportável, que é maior do que a vida humana. Perdemos completamente essa noção e achamos que a natureza é um jardim doméstico. A natureza tem um poder próprio, leis próprias. Não acho que todos temos que ser panteístas ou abraçar uma imagem de natureza como a de Espinosa, que não é antropocêntrica, mas reconhecer o sublime da natureza pode nos ajudar com nossa ansiedade climática e também afastar o negacionismo.

Como a filosofia ajuda a combater as fake news?

Todos deveríamos seguir duas filosofias: o ceticismo e outra, de nossa escolha. Ser cético não é não acreditar em nada, mas examinar nossas crenças e nossos preconceitos. Uma amiga minha diz que a filosofia é a única disciplina que nos ensina a aprender. Hoje estamos submersos por informações vindas de todo lugar, mas não conseguimos transformá-las em conhecimento por falta de método filosófico. Veja as redes sociais: não sabemos mais processar informações e pensar com a própria cabeça. Isso é muito perigoso, porque estamos vivendo um cenário político cada vez mais parecido com o dos anos 1930, e não podemos nos dar ao luxo de sermos passivos.

Como vê a apropriação do estoicismo por manuais de negócios e autoajuda?

O estoicismo que está na moda é muito pobre, é uma abordagem individualista, que ignora que o ser humano é parte e uma rede com outros seres. Os meus preferidos são os epicuristas, que construíram uma ética ao redor do conceito de philia, que é, na verdade, uma espécie de generosidade e consciência de como a sua vida se relaciona com a dos outros. A philia é o oposto da competição e do individualismo que só pensa a curto prazo, é uma ética que se responsabiliza com o bem-estar do outro.

O que pensa sobre a demanda por tornar cânone filosófico menos europeu e masculino?

Existiam conexões importantes entre a Grécia Antiga e a Ásia. A ideia de uma filosofia branca e masculina é só uma representação, nunca existiu de fato. Não devemos cair na tentação de cancelar tudo o que não corresponde aos nossos padrões atuais, tachar Aristóteles de misógino e não deixar de estudá-lo. Precisamos ser como Montaigne, que, quando escreveu sobre os indígenas, cujo canibalismo era usado como justificativa para a colonização, disse que se tivesse nascido na América do Sul também seria canibal. Não há por que defender um cânone estreito, pois toda cultura vem da contaminação. Todo cânone deve ser reconstruído, repensado, ampliado.

Conceito de felicidade dos antigos era diferente do nosso?

Nossa noção de felicidade é performática e competitiva, queremos ostentar um troféu que prove que temos mais dinheiro, mais likes, um corpo mais bonito. A noção de felicidade dos antigos pode consistia em conhecer a si mesmo, aceitar seus limites e responsabilidades. Em seu julgamento, Sócrates disse que não se arrependia de nada porque sempre ouvira a voz do seu daimon. Não é claro o que vem a ser um daimon, mas podemos pensar que era espécie de voz interior que sempre alertava Sócrates quando ele não agia de acordo consigo mesmo. Uma das palavras dos gregos para felicidade é eudaimonia, ter um bom daimon. Ser feliz é conhecer seus limites e suas forças, ser coerente consigo mesmo.

Como a filosofia aparece no seu romance “A reputação”?

No romance se passa nos anos 1980, numa loja de roupas, e eu proponho uma discussão filosófica sobre a moda. Trabalhei num showroom da marca Valentino em Paris, enquanto estudava Filosofia. Uma das minhas personagens é estudante de Filosofia e trabalha na loja. Ela estuda como a experiência molda o corpo na filosofia fenomenológica de Husserl. A moda nos ajuda a pensar nossa identidade em relação ao mundo, como somos vistos. Nossa imagem é construída por nós mesmos, pelo olhar dos outros ou existe no hiato entre o que nós queremos que os outros vejam em nós e o que eles de fato veem?

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